FERNANDO FIORESE / FOTO: ARQUIVO DO AUTOR
SEXTINA COM NOTÍCIAS DA COMITIVA
Ao André Capilé
Que as bestas andam juntas mais ousadas...
Gregório de Matos Guerra
O que carregam de alheio os serventes
(Um velho, outro moço, três mulheres)
– Afora as foices e mais tantos trastes,
Dois meninos também, de colo ainda,
Quando as mães cansam deles na carroça –
Pesa menos que o oco do caminho.
Quem augura as ciladas do caminho,
De cima de um cavalo que os serventes
Cobiçam mais que a sombra da carroça,
Bem despreza a lamúria das mulheres,
E presságios de pretos mais ainda;
Sabe o silêncio assentar em trastes
E tirar dele o rumo desses trastes
Que, há muito, empestam o caminho,
Sejam bichos, bandidos ou, ainda,
As coisas que do demo são serventes,
E molestam o sono das mulheres,
Quando não perdem mulas e carroça.
Porque mal e aos trancos a carroça,
Foi preciso apeá-la dalguns trastes
Para maior conforto das mulheres.
Cômodas e sofás seguem caminho
No lombo das escravas, que os serventes
Cuidam de dar folga às mulas ainda.
Quando cruzou o Pomba, sem ainda
Haver muda sequer para a carroça,
Já a comitiva mal tinha serventes
Com algum préstimo; deram os trastes
De pegar a terçã desses caminhos
Para agravar a pena das mulheres.
Onde é coisa que cismam as mulheres;
Um mineiro não faz conta do ainda
– Por inteiro no agora do caminho,
Tem mais léguas que o pau desta carroça
E sabe que o ouro apura entre trastes,
Entre fortuna e azar, seus serventes.
Sem serventes por ora, as mulheres
Estão uns trastes – e demora ainda
A carroça nas mortes do caminho.
SONETO DA BOA MORTE
E de três coisas eu não abro mão.
Primeira: que não seja de tocaia.
É pegar o estrupício pela frente,
Olhar bem dentro lá das fuças dele
E contar quem pagou pelo serviço.
Tem que saber que não foi por engano.
Se tiver como, deixa o desgraçado
Encomendar a Deus a própria alma.
Segunda coisa: quero tudo em dia
De céu claro – velório, se tem chuva,
Fica triste demais. Última coisa:
Despacha o infeliz num tiro só.
Nunca que quero ver parente meu
Estrebuchando no meio da rua.
A HISTÓRIA SE REPETE
Tia Ritinha
Verdade seja dita: não foi por
Falta de aviso. Eu mesma cansei
De falar. Só fizeram se indispor
Comigo. Logo eu. Sempre tratei
Aqueles dois assim, a pandeló,
E acaba ganhei pecha de enxerida.
Criação de hoje está frouxa que só,
Ninguém pra botar tento nem medida.
Tem coisa que não dá para ficar
De conversê. A pessoa não toma
Tenência, depois é culpa do azar.
Eu nem podia estar aqui. Porque,
Com mamãe no hospital, quase de coma,
Não acho nem um dia de mercê.
Paulo Pacheco
Depois que o mal está feito, é fácil
Dar conta até da vírgula do escrito.
Agora, essa vida é sem prefácio:
Tem vez que a mão macula o manuscrito,
De outras, dá até de emendar a linha,
Mas, no geral, é às cegas que se escreve.
Aquela desavença entre os dois vinha
De lá trás, de antes dessa carne breve,
Coisa de priscas, que sem nem saber
A gente traz. Era questão de alguém
Com engenho de o carma esclarecer.
Que nem para aprender a tabuada:
Pessoa tem que ter mestre também,
Que Deus registra em partidas dobradas.
Totonho Furtado
Os dois nunca se deram. Vai saber
Por quê. Cedo ou tarde, tinha de
Dar merda. Só cumpri com meu dever,
Que era publicar no jornal. O que
O Coronel Romão pensa ou deixa
De pensar a respeito da notícia
É coisa lá dele. Em vez da queixa
Que foi fazer contra mim na polícia,
Devia era cuidar melhor dos seus.
Não trata os próprios filhos por igual,
É bíblico, no fim dá no que deu.
Tem cabimento, não, tanto escarcéu.
Só fiz achar o mote, afinal
Foi tal e qual: QUINZIM MATOU ABEL.
RECLAMES PUBLICADOS POR OCASIÃO DA VISITA
DE D. PEDRO II À CIDADE DE LEOPOLDINA
EM ABRIL DE 1881
ALUGA-SE cafezais em flor para alindar a
vista de S. M. Dom Pedro II; na rua Direita
n. 82.
VENDE-SE lendas antigas para o caso de
trocar algumas palavras com o Conde d’Eu;
beco do Pito-Aceso, portão pegado na bodega
do Durvalino.
ALUGA-SE três pretas, um bom moleque e
um outro pardinho, livre, de 14 anos, para
engrossar as ovações ao Sr. Imperador e
comitiva, a 2$ cada, na rua dos Burros n. 3.
VENDE-SE trinca de sonetos à la rigueur,
com chaves d’oiro e rimas ricas; todos de
bastantes encômios e loas a S. M. Teresa
Cristina, por 3$ a peça, em grosso 8$; sendo
de mister, o próprio vate encarrega-se da
recitação ao preço da merenda.
VENDE-SE meia dúzia de causas mortas e
respectivos mártires para fazer rir aos nobres
da comitiva imperial, a preço de ocasião.
Tratar com Totonho Furtado na redação
deste mesmo O Leopoldinense.
Ao lado de Edimilson de Almeida Pereira e Iacyr Anderson Freitas, Fernando Fiorese é um dos mais importantes poetas contemporâneos baseados na cidade mineira de Juiz de Fora, autores responsáveis por abrir novas clareiras para a lírica explorando e intensificando a potência reflexiva de Murilo Mendes, Jorge de Lima e Carlos Drummond de Andrade. Nasceu há 60 anos (21 de março de 1963) na cidade de Pirapetinga, na chamada Zona da Mata, e exerce o magistério na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). De sua vasta produção em verso e prosa, constam Ossário do mito (poemas, 1990), Corpo portátil: 1986-2000 (reunião poética, 2002), Dicionário mínimo: poemas em prosa (2003), Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito (ensaio, 2003), Um dia, o trem (poemas, 2008), Aconselho-te crueldade (contos, 2010) e Um chão de presas fáceis (romance, 2015). Os poemas aqui publicados integram o livro Romance dos desenganados do ouro & outras prosas a ser lançado em 2024.
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