FOTO: JOÃO EVANGELISTA RODRIGUES
A palavra do poeta
a palavra do poeta
música secreta
noite alta à luz de vela
a palavra do poeta
sol e selva água e pedra
sal da terra
a palavra do poeta
tempestade caravela
vaga musa dissidente
anda mia na lua de bicicleta
a palavra do poeta
permanente luta
sangra se rebela
munca por decreto canta
a linguaguem por completa
nunca se revela
Dos signos de Minas
dos signos de Minas
elejo a cabeça de Tiradentes
a mitra o sacrário a serpente
a garrucha a cruz o tridente
dos signos de Minas
elejo a liberdade já
sem censura sem usura
sem traição poética
sem culpa segue meu verso
impune impenitente
Visões
vista de cima a olho nu de longe
a cidade floresta branca
sob ramagens de barro de minério
de metal de madeira morta
muitas formas de vida esconde
o trágico comércio dos homens
de vaidade de desmandos
são famílias unidas pelo sangue
pais filhos animais de estimação
jardins de inveja flores carnívoras
a vegetação mesma de pedra de cal
rarefeita pela exaustiva ulceração das mãos
sob a aparente beleza e estabilidade
viça o escambo ordinário de almas
suas trocas ilícitas suas troças e tropeços
o tráfico perverso de drogas
de insidiosos afagos
seus odiosos códigos e influências
suas antigas rixas e mal querências
suas incuráveis diferenças políticas
tudo às vezes sob chuva ácida
plácidos sorrisos
revelam-se imundícies e mazelas
outras vezes cobre-se a cidade
de líricas estrelas
nada abala a banal rotina de mandos e desejos
carros de luxo pessoas cachorros sem dono
pássaros desorientados e feridos
vagam a esmo por sua ruas praças e ruelas
como se de fato soubessem
para onde querem ir
seus habitantes indistintos vivem nas sombras
de acordo com a vontade do destino e de deus
reproduzem como ratos
em seus confortáveis aposentos
em paióis e casebres arruinados
parecem todos sempre com medo da morte
de suas múltiplas formas de matar
de seu vizinho inútil sem préstimos
do agiota do cobrador de impostos
vista de longe de cima a cidade cordial
sem futuro cresce floresta branca
sob um céu cinzento
carregado de nuvens de fumaça
todos parecem felizes
cai a tarde de sangue e pó calcário
sobre noite alunar cemitério de culpas
com seus absurdos edifícios de silêncio
segue a cidade em perfeita desordem
A primeira vez
a primeira vez que li Bandeira
imaginei que estava com tuberculose
passado o surto susto parnasiano
a doença lírica de minha adolescência poética
caminhei com o poeta pelo Recife Velho
com suas pontes mangues e praias sedutoras
ouvi cantigas de infância
dancei frevo e maracatu
folia de roda com Lia na Ilha de Itamaracá
coelho sai coelho não sai
cai mais um dia no cais do sonho
mergulhei por fim no mar modernista
vivi meu carnaval de Cinzas
de esquivas sombras na rua do Sabão
à Pasárgada só fui depois de muito me morrer
de leituras solitárias em noites sem alento
A poesia
a poesia a meta
o que a cada dia
pela pedra calcária
se arquiteta
a poesia a meta
o que se irradia
pela palavra arcaica
sem medo se cultiva
a poesia a meta
tudo o que se deriva
da vida precária
de onde nada se leva
não pela metade
a poesia a meta
de tudo o que poderia
a cidade ser mas não é
コメント