O campo letrado brasileiro como um todo, e a cena acadêmica de modo muito especial, perdeu este ano uma das suas maiores referências: Aguinaldo José Gonçalves. Faleceu em 15 de julho em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, onde estava em tratamento hospitalar. Tinha 74 anos.
Professor da Unesp, onde desempenhou uma das carreiras mais brilhantes e colaborou para a formação de inúmeras gerações, Aguinaldo fixou seu nome entre os grandes teóricos de literatura do país ainda na década de 1980, quando publicou o ensaio Transição e permanência pela Iluminuras em 1989, estudo sobre a relação entre a poesia de João Cabral e a pintura de Joan Miró.
Com o ensaio Laokon Revisitado publicado pela Edusp em 1994, em que aprofunda a abordagem entre os dois sistemas semióticos – pintura e literatura – a partir do poeta e filósofo iluminista alemão Gotthold Lessing, Aguinaldo se torna definitivamente uma referência fundamental para qualquer discussão rigorosa sobre essa questão.
Sua produção teórica se distingue por algo mais que a pesquisa rigorosa, extremo cuidado metodológico e notável criticidade. Nela encontramos, sobretudo, uma intuição profunda, o desejo de pensar sempre para além das aparências e uma escrita saborosa, um estilo que denuncia a elegância de um grande homem. O estilo, para lembrar Buffon, era – e continuará sendo – Aguinaldo Gonçalves.
O poeta, que se podia já intuir no estilo do teórico, demorou muito para se declarar em livro. Era já o ano de 2000 quando a Ateliê Editorial publicou o seu Vermelho, volume de poemas marcados pela perspectiva intersemiótica. Ao longo dos anos outros tantos títulos em verso e prosa ficcional vieram à tona pela Nankin Editorial, por outras Editoras e pela própria Ateliê.
Em 2021, ao fundarmos Sphera, decidimos convidar Aguinaldo para integrar o nosso Conselho Consultivo ao lado de outros tantos nomes brasileiros e estrangeiros que primam pela conjunção de excelência científica, elevado senso crítico e estético, mas também por conduta ética, humanitária e solidária.
Por considerarmos Aguinaldo um exemplo raríssimo dessas qualidades, decidimos também realizar nossa primeira grande entrevista com ele. Estávamos na véspera do aniversário de 40 anos (2022) de um livro organizado por ele em 1982: o precioso Cruz e Sousa, da Coleção Literatura Comentada da Abril Cultural.
No número 2 de Sphera, bem como em duas edições do programa A partilha do poético no Canal Revista Sphera, continuamos a ter a honra de contar com a presença do generosíssimo Aguinaldo em texto, voz, imagem, vida. E que vida! Uma vida que era sempre uma celebração da vida, uma disposição da simples e irrenunciável alegria de existir.
Celebramos Aguinaldo, Mestre numinoso, na Terceira Feira em setembro passado em Diamantina na abertura do Colóquio Vozes não-hegemônicas, tendo como orador de um “memento mori” o também poeta, ensaísta, seu ex-orientando e amigo Osvaldo Duarte. Continuaremos a celebrá-lo de modos diversos: publicações, eventos etc. E assim estaremos sempre atualizando a sua presença. (Anelito de Oliveira)
Comments