Aguinaldo Gonçalves
o ponto fixo do passo
em cada passo que dou meu corpo se reveste do silêncio poético.
aquém dos passos
que coexistem no espaço
fixa-se o passo
transfigura-se o laço
na fome
sem nome do ser.
além do passo o passo
que não vai indo ao ponto certo
no reverso do inverno
outro passo
agora para o ritmo do verso
no ponto de chegada.
o signo do lamento
em voo rasante na noite o arrulho
entoa em tom de barítono
a tríade sonora de um lamento
imerge um pombo do ar
e emerge um signo da terra
(inquieto como os versos de dante).
a asa com uma pena branca faz falha no caminho da dor: é triste.
no pescoço a mancha azul que ao voar quer se expandir ao azul do céu sem limites
ou se espelhando num dos girassóis de van gogh
o bico aponta em forma de diagrama para a ponta da lua minguante
a divina comédia se curva ao tríplice equilíbrio que o barítono entoa
a asa branca longilínea
marfínea, no espaço resguarda o signo do segredo grave e contínuo no galho da árvore.
a vida revivida perfila a linha do invisível no ícone poético modulado: oco desenho do arrulho em perfeita voz rouca que anuncia o amanhecer da tristeza.
corpo antigo: teatro de signos
este corpo semiótico
mítico
prenhe de signos que resvalam nas coisas
signos-coisa,
duendes vívidos a brincarem na noite:
matéria impura
raízes de sentidos mortos
este corpo
antigo
tabuleiro primordial de segredos
- inaudito –
caixa preta de um voo noturno
signos noctívagos do silêncio
espaço oracular dos primeiros passos
imemorialidade do gesto
língua congelada
forma de perfuração dos matizes da eternidade.
nesta manhã
minhas mãos se enrijeceram
os dedos se atracaram
as unhas calcaram a minha pele
e tiraram fios de sangue
tudo isso porque tentei
escrever um poema
com versos
e na poesia pós-tudo
eles estão proibidos
não transubstanciados
como fez mallarmé
como fez valéria
mas os versos foram substituídos
por algo que não sei explicar.
o anti-verso joga a poesia
para além da morte
transforma-a em conjunto
de nonsense
tirando-lhe prazer do ritmo
tirando-lhe a sensatez da sonoridade
de uma beleza
minhas mãos ficaram assim,
assim
e assim.
na folha branca,
apenas a linhura
de um tempo
do palimpsesto
de uma era
e de uma graça
que já existiu
o trejeito dos poetas
(dos pseudo)
possui à semelhança
do não ritmo do poema
minhas mãos haverão de volta…
o desmanche de penélope
intacta forma de ressurgir
do medo.
tremem, sim, as minhas mãos
ao claudicar esses versos
antigos.
os artelhos de meus dedos
doem
doem
e doem
o ressoar da fome
demove a homero
que severo
resmunga
pela inadimplência
dos versos clássicos.
tremem, sim, as minhas mãos
ao escreverem esses versos
robustos
arbustos de uma colisão
no bosque antigo
– floresta de signos –
reportar assim
ao início de tudo
e odisseu viaja
com muito vento
à espera de encontrar
os fios de novelo
em ítaca.
mortífera forma
que se converte
em vida
nos versos antigos
do medo.
autofagia na quarto minguante
após as mutações da nuvem baixa
meus olhos se transferiram
para mãos ausentes
e com elas
passei a ver
os prados verdes
e todas as campinas
do remanso.
entretanto, meus dedos
se voltaram a malhas finas
de meu olhar
perdido
em unhas longas
pus para fora a minha língua
renitente
e a recortei para cozinhá-la
com ervilhas frescas
e servi-la na bandeja
ardente.
visão
como a gema de um ovo
exposta ao sol
do meio-dia
o cavalo amarelo do apocalipse
relinchou três vezes
no crepúsculo do dia
depois do aluvião
da meia-noite
as crinas do cavalo brilharam
tanto
que a morte relinchou ainda mais
na perdida visão em alquimia
depois, o extermínio do sonho
foi destacado e o cavalo
se banhou à luz da lua
definiu toda a sua forma
em fantasia
e diante do mar egeu
se arrefecia.
a morte cavalgou
mais do que poderia
e se entregou às águas turvas
do morto rio
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