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Foto do escritorRevista Sphera

Sete poemas de Aguinaldo Gonçalves

Atualizado: 31 de out. de 2021


Aguinaldo Gonçalves




o ponto fixo do passo

em cada passo que dou meu corpo se reveste do silêncio poético.

aquém dos passos

que coexistem no espaço

fixa-se o passo

transfigura-se o laço

na fome

sem nome do ser.

além do passo o passo

que não vai indo ao ponto certo

no reverso do inverno

outro passo

agora para o ritmo do verso

no ponto de chegada.




o signo do lamento


em voo rasante na noite o arrulho

entoa em tom de barítono

a tríade sonora de um lamento

imerge um pombo do ar

e emerge um signo da terra

(inquieto como os versos de dante).

a asa com uma pena branca faz falha no caminho da dor: é triste.

no pescoço a mancha azul que ao voar quer se expandir ao azul do céu sem limites

ou se espelhando num dos girassóis de van gogh

o bico aponta em forma de diagrama para a ponta da lua minguante

a divina comédia se curva ao tríplice equilíbrio que o barítono entoa

a asa branca longilínea

marfínea, no espaço resguarda o signo do segredo grave e contínuo no galho da árvore.

a vida revivida perfila a linha do invisível no ícone poético modulado: oco desenho do arrulho em perfeita voz rouca que anuncia o amanhecer da tristeza.




corpo antigo: teatro de signos

este corpo semiótico

mítico

prenhe de signos que resvalam nas coisas

signos-coisa,

duendes vívidos a brincarem na noite:

matéria impura

raízes de sentidos mortos

este corpo

antigo

tabuleiro primordial de segredos

- inaudito –

caixa preta de um voo noturno

signos noctívagos do silêncio

espaço oracular dos primeiros passos

imemorialidade do gesto

língua congelada

forma de perfuração dos matizes da eternidade.




nesta manhã


minhas mãos se enrijeceram

os dedos se atracaram

as unhas calcaram a minha pele

e tiraram fios de sangue

tudo isso porque tentei

escrever um poema

com versos

e na poesia pós-tudo

eles estão proibidos

não transubstanciados

como fez mallarmé

como fez valéria

mas os versos foram substituídos

por algo que não sei explicar.

o anti-verso joga a poesia

para além da morte

transforma-a em conjunto

de nonsense

tirando-lhe prazer do ritmo

tirando-lhe a sensatez da sonoridade

de uma beleza

minhas mãos ficaram assim,

assim

e assim.

na folha branca,

apenas a linhura

de um tempo

do palimpsesto

de uma era

e de uma graça

que já existiu

o trejeito dos poetas

(dos pseudo)

possui à semelhança

do não ritmo do poema

minhas mãos haverão de volta…




o desmanche de penélope


intacta forma de ressurgir

do medo.

tremem, sim, as minhas mãos

ao claudicar esses versos

antigos.

os artelhos de meus dedos

doem

doem

e doem

o ressoar da fome

demove a homero

que severo

resmunga

pela inadimplência

dos versos clássicos.


tremem, sim, as minhas mãos

ao escreverem esses versos

robustos

arbustos de uma colisão

no bosque antigo

– floresta de signos –

reportar assim

ao início de tudo

e odisseu viaja

com muito vento

à espera de encontrar

os fios de novelo

em ítaca.


mortífera forma

que se converte

em vida

nos versos antigos

do medo.




autofagia na quarto minguante


após as mutações da nuvem baixa

meus olhos se transferiram

para mãos ausentes

e com elas

passei a ver

os prados verdes

e todas as campinas

do remanso.

entretanto, meus dedos

se voltaram a malhas finas

de meu olhar

perdido

em unhas longas

pus para fora a minha língua

renitente

e a recortei para cozinhá-la

com ervilhas frescas

e servi-la na bandeja

ardente.




visão


como a gema de um ovo

exposta ao sol

do meio-dia

o cavalo amarelo do apocalipse

relinchou três vezes

no crepúsculo do dia

depois do aluvião

da meia-noite

as crinas do cavalo brilharam

tanto

que a morte relinchou ainda mais

na perdida visão em alquimia

depois, o extermínio do sonho

foi destacado e o cavalo

se banhou à luz da lua

definiu toda a sua forma

em fantasia

e diante do mar egeu

se arrefecia.

a morte cavalgou

mais do que poderia

e se entregou às águas turvas

do morto rio



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