Três poemas reflexivos
ALEXANDRE BRUNO TINELLI
Chuva de verão
Primeiro o rumor de asas
do vento com seu assalto.
Em seguida a tarde ensombra
a sala de rosto áspero
e ao repartirmos o pão
um cão late para o nada.
Depois a sombra derrama
atravessando os telhados
uma escuridão madura
de café forte e coado.
Então ecoa o estrondo:
ondas avançam desabam.
O sol perdido na chuva
se desmancha no asfalto
e deixa um veio de luz
nos teus olhos de cobalto
que acendem a solidão
no espelho do nosso quarto.
A tarde escorre entre os dedos.
Mas súbito a chuva acaba
com seu rouco estremecer
de sombras e trovoadas.
Debaixo do sol recente
a noite assoma nos lábios.
Vou lá visitar pastores
Foi a minha esposa com quem tantas vezes partilhei o silêncio
desta sala que me revelou teus versos de manhãs de coxas claras.
Em meio às franjas do deserto você ergueu um sul
de luz em brasa que recende a sal marinho e abriga formas de vida antigas
e mais gratas. Recebi-o de mãos abertas com o amor de quem recebe o leite
escasso na planície de capim rasteiro entre formigas brancas e percevejos
de veludo onde se cria o gado. Aí aprendi a ver o tempo
sinuoso como as dunas e linhas de água por onde você andava
na esperança de colher quem sabe a própria imagem no espelho da paisagem.
Minha esposa me contou que em fuga das ruas agressivas
de Luanda um belo dia você se recolheu ao chão batido pelo sol
daquela savana de dentro que seca o coração ao vento.
Até que a morte te encontrou. Ou em discreta sombra foi buscada.
Retrato do Borges na Livraria Alberto Casares
Foi aqui que Bioy Casares encontrou
pela última vez o olhar longínquo
que atravessava os troncos das acácias
e alcançava um menino e seu destino
no pátio em frente ao círculo de água
e ao silêncio de pássaros dormindo.
Agora ante a mudez daquele olhar
na noite armada como negro ouriço
eu não desejo mais do que já tenho:
um bom amor e três ou quatro livros.
Alexandre Bruno Tinelli nasceu em 1987 no Rio de Janeiro. É pesquisador e tradutor.
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