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A caudalosa ficção de Otávio de Faria

Foto do escritor: Revista SpheraRevista Sphera
Edgard Pereira




Um balanço do romance moderno oferece argumentos robustos para comparação e análise, além de evidenciar sua riqueza e diversidade. Ressabiados diante de determinadas vanguardas, embasadas em protocolos aparentemente avançados, como o Futurismo, movimento que, porém, não camufla traços fascistas (exaltação da guerra e de governos autoritários), muitos intelectuais tentam se distanciar de guinadas formalmente inovadoras. O contexto dos anos 30-40, de franca polarização ideológica, coloca em lados opostos autores que vão consolidando o próprio percurso. De um lado os que produzem romance social, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, José Lins do Rego, Alina Paim, Amando Fontes; do outro aqueles praticantes do romance de linha psicológica, Clarice Lispector, Lúcio Cardoso, José Geraldo Vieira, Cornélio Pena, Otávio de Faria, num antagonismo que replica as contradições culturais, algumas contíguas ao ordenamento norte/sul. Os dois últimos acrescentam ao debate diretrizes difusas de uma militância católica, em radical embate com o outro lado, que, por seu turno, não escamoteia o fascínio pelo comunismo. O caso de Adonias Filho aponta uma convergência das vertentes: consegue fazer romance psicológico, sem abandonar o engajamento social, sob o signo de uma perspectiva mítica aplicada à violência telúrica. Graciliano Ramos e José Lins do Rego, para fazer justiça, distanciam-se de arquétipos esquemáticos: os protagonistas de seus romances, ainda que inseridos em dimensão regional, ascendem ao prisma de tipos universais.


Otávio de Faria, em artigo publicada no Boletim de Ariel (out. de 1933) expõe sua perplexidade em face de uma banalizada representação da realidade: “Agora, o que significa esse Cacau que o autor parece duvidar que seja um ‘romance proletário’, esse Cacau onde todos ‘os de cima’, os ricos, são maus e onde todos os ‘de baixo’, os pobres, são bons, esse Cacau que prega a revolta, a revolta de todos os ‘explorados’,(…)?”. Em 1946, o suplemento Letras e Artes (do jornal A Manhã, Rio de Janeiro), entrevista o autor de Mundos mortos e lhe pergunta se “os livros de ficção devem debater sempre uma tese social”. Otávio de Faria responde: “De modo algum. Acidentalmente, podem. Mas, não é função da obra de ficção debater tese de espécie alguma, e muito menos, social. Para isso há o ensaio social, há os livros de doutrina”. Questionado a respeito do conflito entre regional/ universal, assim se expressa: “O elemento regional, episódico ou documentário, deve ser inteiramente absorvido pela obra de ficção que, assim, poderá ser acidentalmente regionalista, nunca fundamentalmente” (10 de fev. 1946). A referência ao excesso ideológico, presente no então rotulado romance proletário, retorna, no mesmo periódico, em artigo de Arnaldo Tabayá, centrado no romance Cacau, de Jorge Amado: “É o defeito do livro, uma intenção grande de mais e que se percebe em cada frase. Todos os ricos do romance são maus, velhacos, libidinosos e … católicos” (Boletim de Ariel, out. 1933). O debate segue ardoroso. Para Jorge Amado, os autores do romance intimista fazem “masturbação intelectual”, complementando ainda que “com Otávio de Faria e José Lins do Rego, Lúcia Miguel Pereira formava o grande trio dos meios intelectuais da direita no Brasil” (resenha a Em Surdina, Boletim de Ariel, jan. 1934).


O conflito entre católicos e comunistas domina o cenário da cultura. Considerado por Gilberto Amado um espaço plural, “ilha do pensamento desinteressado”, “aberto a todas as ideias, simpático aos movimentos multiformes do mundo” (jan. 1932), a revista Boletim de Ariel repercute o contexto borbulhante de polêmica. Acolhe no início da década a indignação do escritor liberal, representada pelo pensador baiano, que desta forma aborda o panorama das ideias: “Desejam dominar o Brasil no momento atual, no campo das preocupações intelectuais, duas correntes absolutas e intransigentes. Visam ambas a mesma coisa: estrangular o livre pensamento, a crítica livre, (…): a corrente católica e a corrente comunista”. Wilson Martins informa que a “clivagem característica dos anos 30 entre Direita e Esquerda” (MARTINS, 1983 545-552) deu azo a que surgissem periódicos de orientações distintas. A Revista Acadêmica, no Rio de Janeiro, iria congregar, ao longo de uma década (1935-1945), intelectuais de esquerda; de outro lado, a Lanterna Verde, simpatizante da direita, presta-se às discussões de identidade e sutilezas ideológicas. Nesse ambiente, fortemente polarizado, o Boletim de Ariel, edição de agosto de 1935, publica o artigo “A Esquerda e a Direita literárias”, de V. de Miranda Reis, em que são delineados os postulados dos campos opostos:


O palco literário tem, portanto, uma direita e uma esquerda. A família literária está desunida, dividida, bipartida. Há dentro dela, duas tendências contrárias, dois partidos adversos (…) enquanto a esquerda insiste no primado do social, a direita sobrepõe ao sentido social o sentido do humano: que, enquanto a esquerda prega misticamente a revolução, a direita descobre ‘a verdadeira mística’; que, enquanto a esquerda deblatera contra as desigualdades e as injustiças sociais, contra a exploração do homem pelo homem, a direita perscruta o ‘verdadeiro sentido da vida’ e se perde em particularidades, em profundidades, em densidades, em superposição de planos e outras sutilezas.

As quatro primeiras décadas do século XX mostram-se, como se vê, marcadas por um ambiente de profundos enfrentamentos estéticos e políticos, com intersecção de uma área sobre a outra. O teor combativo do Modernismo, o arcabouço nacionalista de que se revestem as principais tendências que se sucedem (pau brasil, antropofagia, verdeamarelismo, integralismo), a hesitação entre tradicionalismo crítico e ruptura radical, os duros esforços empreendidos por intelectuais nordestinos em prol do regionalismo forjaram um caldeirão de forçado empenhamento ideológico. Murilo Mendes, em resenha ao romance Calunga, de Jorge de Lima, tenta dissolver o que Wilson Martins denomina “a veemência das posturas extremadas”:


Atualmente, no Brasil, há uma certa tendência a se considerar ‘literatura social’ somente uma determinada expressão de literatura que visa enaltecer os postulados comunistas. É um erro, porque um escritor da direita pode perfeitamente ter uma compreensão social da literatura e da sua influência sobre uma coletividade. Pode-se mesmo dizer que não há nenhuma espécie de literatura que não seja também social (Apud MARTINS, 1983, 548).


Wilson Martins propõe uma forma sintética de arrematar o turbulento choque de ideias: “Será um pouco desagradável, mas temos de aceitá-lo: no destino e na natureza do Modernismo existia, não apenas uma vocação política, mas, ainda, uma vocação política totalitária; de Direita ou de Esquerda, a verdade é que os tempos estavam maduros para um recuo espetacular da democracia convencional e para a desmoralização temporária das ideias liberais” (MARTINS, 1973,127).


Referidos os debates veementes e as incongruências da época, retomo um aspecto produtivo da vertente ficcional. O romance introspectivo de Otávio de Faria (1908-1980) constitui um precioso monumento da literatura brasileira, enfeixado nos quinze volumes da Tragédia burguesa. Dentre os comentários pioneiros ao romance de Otávio de Faria, cabe referir o escrito por um crítico de província, dando os primeiros passos numa notória carreira de crítico militante. Álvaro Lins: em 1937, em jornal pernambucano, reconhecia: “o drama dilacerante dos adolescentes de Mundos mortos é um romance profundo e elevado da nossa pobre literatura deste momento” (LINS, 1937). Este romance surge num contexto de acirrada guinada socializante na ficção brasileira, em plena efervescência do romance nordestino, na sequência de uma carreira literária de um autor que parecia orientar-se para o ensaísmo. Numa tentativa de compreender a personalidade literária do romancista, Álvaro Lins, em capítulo intitulado “Unidade e Divisão”, do hoje clássico Os mortos de sobrecasaca, constata:


Para ele mesmo a sua obra é uma expressão de lutas interiores que nasceram com a sua personalidade e que se multiplicaram dentro da vida. (…) Passando do ‘inferno’ ao ‘paraíso’, da luta à paz, dos demônios aos anjos, da divisão à unidade – o Sr. Otávio de Faria deixaria de ser ele mesmo. E já não teríamos mais a verdadeira mensagem desta figura tão desencontrada, tão tumultuosa, tão cheia de contradições e de mistérios. O seu mundo é o dos desesperos, das angústias, dos demônios, o mundo misterioso de ‘luz e sombra’, onde se debateram os homens da sua raça e que são seus mestres: um Nietzsche, um Dostoiéviski, um Léon Bloy (LINS, 1963, 99-100).


O reflexo adverso, no plano ideológico, a dois ensaios de Otávio de Faria, a que se seguiria aquele dado a lume em 1937, Cristo e César, teria o condão de contaminar a futura produção romanesca? Esta questão não ficou rasurada na crítica de Álvaro Lins: mesmo aludindo o teor contraditório da personalidade literária de Otávio de Faria, soube discernir as fronteiras entre o ensaísta “detestável” e o romancista:

Como ensaísta e como crítico não só se exprime mal, literariamente, porém detestável nas suas ideias: ideias desumanas e fascistas. Os seus ensaios ficarão, apenas, ao lado dos seus romances, como documentos explicativos de um aspecto de sua personalidade. E de um aspecto, digamos logo, o menos inteligente e o menos característico. (…) Mas será que estas ideias, estes sentimentos, estas paixões não invadem e não intoxicam o romancista?

No caso do Sr. Otávio de Faria, não; e neste ponto está a sua originalidade e também a certeza de que nele o romancista exclui tudo o mais (LINS, 1963, 101).


Álvaro Lins revela-se convicto em reconhecer a isenção ideológica do ficcionista, postura ratificada de forma explícita: “Veja-se o primeiro volume da Tragédia Burguesa, o chamado Mundos mortos: nenhum sectarismo, nenhum partidarismo, nenhum preconceito de grupo; é a vida, uma síntese de vida, que sobe, de maneira apaixonante, dos personagens e dos acontecimentos” (LINS, 1963, 101). O autor, signatário de ensaios polêmicos, no horizonte de um ensaísmo de perfil conservador - Maquiavel e o Brasil, (1931), Destino do socialismo (1933), Dois poetas, (1935) – mergulha, desde então, visceralmente num grande projeto ficcional.


A extensa empreitada de Otávio de Faria, sem favor algum, o cume do romance introspectivo brasileiro, devotada a esmiuçar as difusas coordenadas da desagregação da sociedade, espraia-se em vários títulos – Mundos mortos (1937), Os caminhos da vida (1939), O lodo das ruas (1942), O anjo de pedra (1944), Os renegados (1947), Os loucos (1952), O senhor do mundo (1957), O retrato da morte (1961), Ângela ou as areias do mundo (1963), A sombra de Deus (1966), O cavaleiro da Virgem (1971), O destino dos amaldiçoados (1973), O grande assalto do demônio (1973), O indigno (1976), O pássaro oculto (1979). Em análise de Mundos mortos, Oscar Mendes ressalta a indiferença em relação ao trabalho do ficcionista, nos anos 40 e 50:


A incompreensão e a má vontade com que vem sendo recebido este primeiro volume duma série de quinze romances que o jovem ensaísta Otávio de Faria publicará, subordinados ao título geral de Tragédia Burguesa, revelam uma triste realidade: a de que nosso meio literário não comporta ainda obras dessa natureza, em que o essencial é tudo e o contingente, o aparente, o realismo superficial são apenas suportes das grandes e autênticas realidades.

O seu livro é um admirável estudo da alma dos adolescentes, num dos momentos mais trágicos e mais perigosos de sua vida, o daquela transição entre a adolescência e a virilidade, o da entrada em contato com todos os agoniantes problemas da carne e do espírito. (…) O sr. Otávio de Faria escreveu páginas de finíssima análise psicológica, diálogos emocionantes onde não se sabe o que mais admirar, se a grandeza dos sentimentos, se o patético das tragédias espirituais que se desenrolam (MENDES, 1982, 361-369).


Sérgio Milliet, no calor do momento em que alguns desses livros são dados a lume, reconhece os méritos e os seus supostos defeitos (a “superficialidade na análise do mal”, a excessiva submissão a juízos morais), sem deixar de apontar a cuidadosa elaboração dispensada à fatura: “Eis um homem, num país de improvisações, de repentistas e instintivistas, que arquiteta cuidadosamente a sua obra, que a escreve em obediência a um plano minucioso, procurando observar o drama de uma sociedade por todos os ângulos de aproximação e fixá-lo em toda a sua complexidade”(MILLIET, 1981, 27). Em Os Caminhos da vida, o segundo volume do grande mosaico, o narrador detém-se demoradamente a focar a vida de adolescentes, suas inquietações, inseguranças, revoltas, dramas, aparentemente pequenos, mas que repercutem na vida adulta. Branco, o protagonista, rapaz “diferente e isolado, irremediavelmente estranho”, tímido, de uma sensibilidade aguda, avulta pelo caráter positivo, entusiasmado diante das coisas belas da vida: perplexo diante das misérias e mesquinharias, choca-se com o egoismo, a depravação, a deslealdade. Álvaro Lins projeta nos personagens Branco e prof. Veloso a caracterização e a natureza de personalidades distintas, marcadas pela unidade ou pela divisão, enquanto a oposição entre os rapazes Branco e Pedro Borges sintetiza traços de mentalidade e de concepções morais. Para o crítico, o autor dissemina nos dois personagens elementos divergentes.

Entre Pedro Borges e Branco a diferença não era só de grau, mas de natureza. Um conflito de duas naturezas humanas, de dois mundos, de duas formas de vida, de dois sistemas de ideias. Sentimo-nos como diante da própria luta entre o Bem e o Mal. Mais uma vez o autor se dividia entre a ética e a estética, procurando atingir a ética pela estética e a estética pela ética. Fica com o Bem ou fica com o Mal? Fica com os dois, nas fronteiras entre Pedro Borges e Branco, nessa zona de fogo e de perigo que lembrava a posição – desdobrada em outros planos embora – de Dostoiéviski, no meio dos Karamazov, entre Aliocha e Ivan. Branco sugere Aliocha, da mesma maneira que Pedro Borges Ivan (LINS, 1963, 102-103).

Sempre que um determinado setor da crítica se posiciona de forma adversa à produção romanesca de Otávio de Faria, comenta-se certa negligência de estilo, algum desleixo em relação à linguagem. Em geral, a ocorrência alinha-se entre os críticos de tendência marxista. Expõe-se, no frigir dos ovos, uma revisão gramatical apressada. Qualquer leitor mais atento percebe o propalado deslize, ninharia de desvio sintático ou gramatical. Como nesta frase: “O futuro da revista estava preservada”, extraída de Os caminhos da vida (Cia. Editora Americana, 2a. ed., 1971, pág. 301). O deslize é flagrante: o predicativo (“preservada”) não concorda com o sujeito a que se refere (“futuro”); deveria ser “preservado”. Passagens desse teor, nem tão numerosas como se supõe, turvam a linguagem do romance, mas podem derivar de erros gráficos, ou revisão apressada. Noutra passagem, do mesmo livro e edição, recolho outra não-concordância nominal entre o termo determinante e o determinado: “Vira, no entanto, baldado seus esforços” (pág. 304). Deveria estar: “baldados”. Numa outra situação, o autor prefere a forma “fugídios”, no lugar de fugidios, de acordo com a norma. Sem sombra de dúvida, tratam-se de desleixo de linguagem. Diante da gigantesca produção, do concentrado esforço de análise de caracteres, do labor desprendido no encadeamento da trama, esses senões deveriam merecer uma dosagem negativa relativizada.


Ao lado dos atiradores de farpas, em torno de Otávio de Faria, no entanto, tem se enfileirado um grupo de admiradores incondicionais, como é o caso de Roland Corbisier:

Diante das perspectivas monumentais desse romance, que se desdobra aos nossos olhos como um imenso afresco mural, como um gigantesco painel, parece-nos não só ridícula mas desonesta qualquer restrição ao detalhe, qualquer criticazinha impertinente em relação às palavras ou às expressões usadas pelo romancista. Não compreenderam, não sentiram ainda que a temática dessa obra é tão importante, que a sua atmosfera é tão densa, que os dramas dos seus personagens nos interessam tanto, que o seu movimento criador é tão impetuoso e tão forte que nos arrasta empolgados, não nos permitindo perder tempo com os pequenos senões que encontramos no caminho? (CORBISIER, 1948).


Alfredo Bosi dedica a Otávio de Faria uma posição secundária na evolução do romance brasileiro. Após elogiar os dois primeiros volumes de A Tragédia burguesa, sugere um desnível estético observado nos títulos posteriores: “Quem apreciou certos momentos felizes naquela história de meninos angustiados pelo sexo, que é Mundos mortos, e leu com admiração as últimas páginas de Os caminhos da vida, não deixará de lamentar a queda formal que se deu nas obras seguintes onde tão descompassadas andam intenção e fatura” (BOSI, 1970, 471). Uma leitura menos armada seria vantajosa, mais interessada em acompanhar o interesse na psicologia de personagens.


O erro estava na carta em si: para que escrevê-la daquele modo? Aquilo eram coisas que se pusessem no papel? Aquilo se sentia, todo mundo um pouco mais sensível abrigava aquelas estranhezas, aquelas contradições, mas em caso algum se escreviam. No máximo, justificavam-se ditas em conversas. Palavras muito próximas do coração, da fonte inicial, onde tudo é vago e informulável, palavras muito despidas, muito desprevenidas e desprotegidas. Fixá-las, pura loucura! Era se expor demais, era oferecer a própria alma ao golpe inevitável (FARIA, 1971, 95-96).


A passagem, retirada do capítulo quarto, registra a confusão em que se encontra o protagonista Branco, jovem inexperiente, diante dos imprecisos sentimentos de afeto em relação ao incipiente namoro com Elza, irmã de alguns amigos. Como não valorar a delicadeza de emoções e sentimentos num parágrafo como o seguinte? “E, pela primeira vez na vida, experimentava o horror que é não logar fazer de certos conhecidos verdadeiros amigos, não saber impedir que se desmanche, cada dia, a intimidade a que se chegou em momentos de maior comunicação” (FARIA, 1971, 107). Como ficar indiferente à finura descritiva, em outra passagem, em que o narrador compara a impressão de Branco diante de Elza, agora moça bonita, com os traços infantis desvanecidos? “Mas, agora, tudo se definira: os traços fugídios, evanescentes, tinham desaparecido, e os outros, os que no verão anterior apenas surgiam, caminhando das profundidades do ser para a luz do dia, tinham aflorado e era uma Elza diferente que emergia diante do seu olhar, uma Elza de traços definitivos, de fisionomia marcada e definida” (FARIA, 1971, 113). Para rematar, convoque-se mais uma vez o crítico da primeira hora: “E aqui está, a meu ver, a divisão em último grau do romancista: o personagem Branco apaixona-o, conscientemente, enquanto o personagem Pedro Borges fascina-o com um apelo, talvez, a certas zonas de sombra, a certas camadas secretas da sua natureza humana escondida em profundidade” (LINS, 1963, 106). Adonias Filho, ficcionista e crítico de renome, em registro destituído de rigor e exegese, que se articula como nota de leitura, afirma:


O triunfo sobre o limite físico. A reconstrução dos estados de consciência os mais obscuros e distantes. E como consequência, a força capaz de medir em extensão os maiores problemas, denunciá-los com a fidelidade dos intérpretes das composições musicais. Acompanhá-los sem o que se chamaria o conhecimento sentimental, mas sempre contando com a inspiração profunda de um desejo de compreensão. Sem dúvida, interiorizá-los através dos conflitos inexplicáveis. Necessidade sentida de humanizar o próprio homem. Posso jurar que senti esta força de paixão em O anjo de pedra. Um romancista que não acusa, verdadeiro irmão que sabe perdoar as tremendas fraquezas” (A. FILHO, 1951).


Narrador experiente, obstinado, invasivo, insinuante, implacável, tomado de vertiginoso interesse de análise, Otávio de Faria elabora, como afirma Corbisier, um “movimento criador tão impetuoso e tão forte” que não apenas nos “arrasta empolgados”, mas compartilha secretas artimanhas e indiscretos segredos, em situações pejadas de vida e emotividade.



BIBLIOGRAFIA


BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1970.

CORBISIER, Roland. “Nota sobre Os Renegados”. Rio de Janeiro, Letras e Artes (A Manhã), 09/ 05/1948, ed. 83.

FARIA, Otávio de. Artigo publicado no Diário da manhã. Recife, 12 set. 1937.

FARIA, Otávio de. Os caminhos da vida. 2. ed. Rio de Janeiro: Cia. Editora Americana, 1971.

FARIA, Otávio de. O Anjo de pedra. 2. ed. Rio de Janeiro: Cia. Editora Americana, 1973.

FILHO, Adonias. “Fragmentos de um jornal”. Rio de Janeiro, Letras e Artes, (A Manhã), ed. 211, 15/06/1951.

LINS, Álvaro. Os mortos de sobrecasaca. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1963.

MARTINS, Wilson. MARTINS, Wilson. O Modernismo. São Paulo: Cultrix, 1973. (A Literatura Brasileira, VI).

_________. A crítica literária no Brasil. Vol. I, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

MENDES, Oscar. Seara de romances - Década de 1930. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1982.

MILLIET, Sérgio. Diário crítico. VI. 2. ed. São Paulo: Martins, 1981.

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