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Cartas de Cruz e Souza a Gavita Rosa Gonçalves

Atualizado: 4 de set. de 2021

A flor dos meus sonhos


Gavita Rosa Gonçalves morreu há exatos 120 anos, em 13 de setembro de 1901, com apenas 27 anos. Foi o grande amor, esposa e companheira de Cruz e Souza até a hora de sua morte em Sítio (MG), hoje Antônio Carlos, em 19 de março de 1898. Conheceram-se no Rio de Janeiro em setembro de 1892 e se casaram no dia 09 de novembro de 1893. Viveram juntos uma das histórias de amor mais estarrecedoras, sob o signo da solidão, do sofrimento e da morte. Tiveram quatro filhos. Todos, pais e filhos, foram abatidos pela tuberculose diretamente relacionada à miséria, à fome. As quatro Cartas que Sphera aqui republica fazem parte do Acervo da Casa de Rui Barbosa. Foram reproduzidas do livro Cartas de Cruz e Sousa organizado por Zahidé Lupinacci Muzart e publicado em 1993 em Florianópolis pela Letras Contemporâneas. São escritos que nos dão a medida da paixão do poeta e traços da personalidade da mulher negra honrada, resiliente, que foi Gavita.


Anelito de Oliveira



Os atores Kadu Carneiro e Maria Ceiça interpretanto Cruz e Sousa e Gavita no filme de Sylvio Back





Rio, 31 de março de 1892


Minha adorada Gavita


Estou cheio de saudades por ti. Não podes imaginar, filhinha do meu coração, como acho grandes as horas, os dias, a semana toda. O sábado, esse sábado que eu tanto amo, como custa tanto a vir. Ah! Como se demora o sábado. E tu, minha boa flor da minh´alma, que és o meu cuidado, a minha felicidade, o meu orgulho, a minha vida, não sabes como eu penso em ti, como eu te quero bem e te desejo feliz. Tu, Gavita, não me conheces ainda bem, não sabes que amor eterno eu tenho no coração por ti, como eu adoro os teus olhos que me dão alegria, as tuas graças de mulher nova, de moça carinhosa e amiga de sua boa mãe.

Quanto mais te vejo mais te desejo ver, olhar muito, reparar bem no teu rosto, nos teus modos, nos teus movimentos, nas tuas palavras, nos teus olhos e na tua voz, para sentir bem se tu és firme, fiel, se me tens verdadeira estima, verdadeira amizade bem do fundo do teu coração virgem, bem do fundo do teu sangue.

Por minha parte sempre te quererei muito bem e nada haverá no mundo que me separe de ti, minha filhinha adorada.

Se o juramento que me fizeste dentro da igreja é sagrado e se pensas nele com amor, eu creio em ti para sempre, em ti que és hoje a maior alegria da minha vida, a única felicidade que me consola e que me abre os braços com carinho.

Estar junto de ti, eu, que nunca dei o meu coração assim a ninguém, tão apaixonadamente, como te dei a ti, é para mim ser muito feliz. Quando estou a teu lado, Gavita, esqueço-me de tudo, das ingratidões, das maldades e só sinto que os teus olhos me fazem morrer de prazer. Adeus! Aceita um beijo muito grande na boca e vem que eu espero por ti no sábado, como um louco.


Teu

Cruz





Noite de terça-feira, 20 de setembro, às 7 horas


Minha adorada Noiva


Saudades, saudades, muitas saudades é o que eu sinto por ti.

Escrevo-te triste por não te ver e tenho, na hora em que te escrevo, o teu querido retrato diante de mim, entre os meus livros, companheiros dos meus sofrimentos.

Minha Vivi estremecida, nunca me esquecerei do dia 18 de setembro, aniversário do dia em que tive o prazer de ver-te pela primeira vez, de admirar os teus lindos olhos, a graça de todo o teu corpo, toda a tua pessoa amável que me prendeu para sempre com os laços do mais profundo e sincero amor. Acredita, minha filha adorada do coração, que eu te tenho como o consolo maior da minha vida, a luz do meu coração, a esperança feliz da minha alma. Por minha honra te juro que sempre serei teu, que podes viver descansada, sem desconfiança, porque o teu Cruz nunca será de outra e só à Vivi fará carinhos, dedicará extremos, amizade eterna.

Pela minha honra e pelo dia em que nos vimos pela primeira vez, juro-te que só quero a tua felicidade, só desejo dar-te prazer e tratar-te com os mimos e delicadezas, de que tenho dado provas, bastante.

A todas as horas o meu pensamento voa para onde tu estás, vejo-te sempre, sempre e nunca me esqueço de ti em toda a parte onde estou. És a minha preocupação constante, o meu desejo mais forte, a minha alegria mais do coração. Amo-te, amo-te muito, com todo o meu sangue e com todo o meu orgulho e o meu desejo poderoso é unir-me a ti, viver nos teus braços, protegido pela tua bondade pura, pelas tuas graças que eu adoro, pelos teus olhos que eu beijo. No momento em que te escrevo sinto uma grande falta de ti. Só, no meu quarto, eu só possuo, para consolar-me o teu retrato. Mas é muito pouco. Eu te queria a ti, em pessoa, para te apertar de abraços, pedindo a Deus para abençoar o nosso amor. Esta carta é como mais um juramento feito a ti pelo dia 18 de setembro, em que te vi pela primeira vez apanhando flores, tu, que és a flor dos meus sonhos.

Espero-te sábado, com aquele penteado de domingo, que te fazia muito bonita. Adeus! Beijo-te muito os olhos, a boca e as mãos e dou-te abraços muito apertados, bem junto ao meu coração, que palpita saudades por ti.


Teu

Cruz e Sousa




Quinta-feira, 17 de novembro à 1 hora da tarde


Minha doce e muito estremecida Vivi


Sinto as maiores saudades de ti, que és a alegria do meu coração, o consolo da minha vida.

Desde a última noite que te deixei tenho me lembrado sempre de ti e o teu nome adorável não me sai da boca a toda a hora. Estimo de toda a minh´alma que estejas passando bem de saúde. Eu vou bem, apenas com a tristeza de não estar sempre a teu lado, junto de ti, que é hoje para mim no mundo o maior prazer, a maior satisfação.

Sou teu como tu és minha, sem me importar com ninguém. Só me lembro que tu vives e que eu te quero extremosamente, com toda a delicadeza e carinhos do meu amor. Tu é que me fazes feliz, orgulhoso, rei do mundo, porque de tuas qualidades, a tua bondade, o teu sorriso, os teus olhos me fazem o homem mais contente, mais alegre do mundo, minha pomba querida, luz da minha vida inteira, Noiva adorada e santa.

Como sempre, estou ansioso que chegue sábado, morrendo de saudades por ti, flor da minh´alma, que tanta coragem me dás para a vida e tanta esperança. O teu bom coração pode descansar em mim, porque eu sou teu como se já fosse casado, vivendo na mesma casa contigo, gozando os teus carinhos. Ah! Gavita, o céu te abençoe, Deus te proteja e te acompanhe sempre para que tu saibas ver o amor eterno que eu te tenho e que está firme no meu coração.

Adeus! Recebe o meu sangue, as minhas lágrimas, os meus beijos, os meus abraços.


Teu

Cruz e Sousa




Rio de Janeiro, quarta-feira, 14 de dezembro de 1892, 7 horas da noite


Minha estremecida Vivi


A hora em que te escrevo tenho diante de mim o teu retrato, que trago sempre comigo, que é o meu melhor companheiro e amigo.

Adorada do meu coração, não calculas a saudade que sinto de ti, como eu desejava agora estar ao pé de ti, na alegria e na felicidade da tua presença querida, flor da minha vida, consolo do meu coração.

Desejo que tenhas passado bem esses dias e que só tenhas como sofrimento, como pesar o não nos vermos, o estares longe de mim, porque isso é o que mais me faz infeliz e triste.

Sabes o quanto eu te amo, quanto eu te quero do fundo do meu sangue sobre todas as mulheres do mundo. Fico sempre alegre, contente, cheio de orgulho, quando te posso dizer que sou e serei sempre teu, que hei de amar-te até a morte, enchendo-te dos carinhos, das amabilidades, dos extremos, das distinções que só a ti eu quero dar, idolatrada Gavita, adorável criatura dos meus sonhos, dos meus cuidados e pensamentos.

Só tu és a Rainha do meu amor, só tu mereces os meus beijos e os meus abraços, a honra do meu nome, a distinção da minha Inteligência, os da minh´alma.

Só tu és merecedora de que eu te ame muito, como te amo, muito, muito, muito, e cada vez mais, com mais firmeza, sempre fiel, sempre teu escravo bom e agradecido, fazendo de ti, minha estrela, a esposa santa, a adorada companheira dos meus dias. Vê lá que orgulho tu não deves ter! Adeus! Adeus! Estou morto para que chegue sábado e ter o prazer, maior de todos os prazeres, de estar contigo.

Aceita beijos e abraços do teu


Cruz e Sousa




Trecho do filme Cruz e Sousa - O poeta do Desterro, de Sylvio Back:


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