top of page

A poesia etílica de Jovino Machado por Mário Alex Rosa

Atualizado: 23 de dez. de 2024

Novas plaquetes do poeta mineiro Jovino Machado publicadas pela Galileu Edições, de Londrina, Paraná. Foto: Divulgação

Trilogia da dor


MÁRIO ALEX ROSA



Em 2018 o poeta Jovino Machado lançou três plaquetes que ele chamou de “Trilogia do álcool”: O retrato do artista quando bêbado, Minha mágoas se alimentam de cerveja e A verdade está no vinho. Três plaquetes bem editadas pela Galileu edições, de Londrina. Nelas, o poeta compôs uma trilogia que ia de um lirismo amoroso desbocado ao confessionalismo de um “eu-etílico”, mas consciente de sua linguagem criativa. De lá pra cá, Jovino continuou a explorar os percalços da vida boêmia e, ao mesmo tempo, literária.

As três novas plaquetes lançadas em 2024 vêm sem cerimônia: “Trilogia da dor”. São elas: Baco engarrafado, Algemas de pelúcia e Mágoas de março. Sem jamais separar uma coisa da outra, sua poesia mescla uma linguagem ao mesmo tempo coberta de referências literárias de obras clássicas e, digamos, populares, porém sem afetação ou mera citação das fontes lidas ou dos lugares por onde já passou. Ao contrário, entre o clássico e o popular, entre Joyce e Jobim, entre o jazz e o samba, entre o cemitério francês “Pére Lachaise” e o “Bonfim”, de Belo Horizonte, entre Cordisburgo e a zona boêmia mineira como o bar “Xok Xok” (instalado no Maletta, um dos prédios mais conhecido da capital de Minas Gerais), o “eu etílico” de Jovino bebe com sabor apurado e afiado. É um poeta atento às idiossincrasias da vida e da poesia.

A trilogia começa com o Baco engarrafado, nome que por si já evoca os prazeres e os desejos do amor, do erotismo. A primeira plaquete é dividida em duas partes: “Baco engarrafado” e “Sísifo sofre”. O poeta parece que vive a sina de estar embebecido eternamente e, como no mito de Sísifo, condenado a carregar uma pedra até o topo de uma montanha repetidamente. Aqui, o poeta vive um eterno “continuum” com as suas embriaguezes e paixões. Vamos dizer que é um baco-sísifo tomado pelas palavras alegres e tristes que compõem sua poesia.

A segunda plaquete, Algemas de pelúcia, tem um título também sugestivo e irônico, quase kitsch, pois lembra aquelas peças fantasiosas das lojas de produtos eróticos. Algemado pelas razões do amor, o poeta se entrega sem receio nenhum de poder perder o que ama; ao contrário, ama porque sabe que pode perder. Com uma linguagem mais coloquial e sem a métrica dos sonetos de Vinicius de Moraes, por exemplo, Jovino Machado se mostra um poeta maduro em sua escrita lírico-amorosa.

Em Mágoas de março, que fecha a trilogia, encontramos, para além da referência a uma das canções mais conhecidas da música popular brasileira, que é “Águas de março”, Jovino derramando suas mágoas de encontro aos sons bilabiais do “ma”. Nelas, ficamos com aquela sensação final da canção, porém levemente modificada: “são as goas de março fechando o verão”, ou quem sabe um ciclo etílico-amoroso ou somente uma trilogia poética se encerrando.

No entanto, e independentemente se for isso, o que vale dizer é que essa tríade confirma mais uma vez um poeta senhor da sua linguagem, e mais que isso: um dos poucos poetas contemporâneos que se aventuram numa “bêbada” lírica amorosa com a paixão (des)medida sem perder a dose de equilibrar a construção dos seus poemas, como “Ele e a chuva” e “Ele e a lua”.

Numa posição aparentemente distanciada, o eu lírico/etílico é visto pelo olhar da amada: “Ele e a chuva”, “Ele e a lua”. Tanto num quanto no outro há um modo de observar a composição física daquele ser amado que parece um pouco desleixado e que caminha pela noite em dia de chuva ou de lua cheia.  Assim, aos olhos da amada que vê a deselegância discreta do seu sujeito lírico-etílico, Jovino, que é leitor de Leminski, nesses dois poemas parece lembrar um dos belos poemas do curitibano, “Dor elegante”: “um homem com uma dor / é muito mais elegante / caminha assim de lado / como se chegando atrasado / andasse mais adiante”.

Como Leminski, mas ao som do jazz e Bossa Nova, especialmente Tom Jobim, as dores de amor jovianas vão ecoando e nos convidam a ler seus poemas ora na voz doce, sussurante e melancólica, ora na leveza do sopro do trompete, ora na delicadeza dos dedos ao piano de Chet Baker. Mas, se tudo parece suave, o poeta não deixa por menos e completa o convite para lermos suas plaquetes também ao som disssonante do trompete de Miles Davis. Que assim seja!


Mário Alex Rosa é poeta, autor de literatura infantil, editor e artista visual, autor de Via férrea (CosacNayfi) Formigas (CosacNaify), ABC Futebol Clube e outros poemas (Aletria) e Cartas ao mar (Scriptum), entre outros.

As plaquetes Baco engarrafado, Algemas de pelúcia e Mágoas de março, de Jovino Machado, foram publicadas pela Galileu Edições, editora baseada em Londrina, Paraná, em 2024. Mais: https://www.instagram.com/galileu.edicoes/p/C--mFDOOlyy/?img_index=1

                                   

 

 

54 visualizações0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo

Comments


bottom of page