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Cinco poemas de João Evangelista Rodrigues

Atualizado: 2 de jan.




FOTO: JOÃO EVANGELISTA RODRIGUES



A palavra do poeta

a palavra do poeta

música secreta

noite alta à luz de vela

a palavra do poeta

sol e selva água e pedra

sal da terra

a palavra do poeta

tempestade caravela

vaga musa dissidente

anda mia na lua de bicicleta

a palavra do poeta

permanente luta

sangra se rebela

munca por decreto canta

a linguaguem por completa

nunca se revela





Dos signos de Minas

dos signos de Minas

elejo a cabeça de Tiradentes

a mitra o sacrário a serpente

a garrucha a cruz o tridente

dos signos de Minas

elejo a liberdade já

sem censura sem usura

sem traição poética

sem culpa segue meu verso

impune impenitente




Visões

vista de cima a olho nu de longe

a cidade floresta branca

sob ramagens de barro de minério

de metal de madeira morta

muitas formas de vida esconde

o trágico comércio dos homens

de vaidade de desmandos

são famílias unidas pelo sangue

pais filhos animais de estimação

jardins de inveja flores carnívoras

a vegetação mesma de pedra de cal

rarefeita pela exaustiva ulceração das mãos

sob a aparente beleza e estabilidade

viça o escambo ordinário de almas

suas trocas ilícitas suas troças e tropeços

o tráfico perverso de drogas

de insidiosos afagos

seus odiosos códigos e influências

suas antigas rixas e mal querências

suas incuráveis diferenças políticas

tudo às vezes sob chuva ácida

plácidos sorrisos

revelam-se imundícies e mazelas

outras vezes cobre-se a cidade

de líricas estrelas

nada abala a banal rotina de mandos e desejos

carros de luxo pessoas cachorros sem dono

pássaros desorientados e feridos

vagam a esmo por sua ruas praças e ruelas

como se de fato soubessem

para onde querem ir

seus habitantes indistintos vivem nas sombras

de acordo com a vontade do destino e de deus

reproduzem como ratos

em seus confortáveis aposentos

em paióis e casebres arruinados

parecem todos sempre com medo da morte

de suas múltiplas formas de matar

de seu vizinho inútil sem préstimos

do agiota do cobrador de impostos

vista de longe de cima a cidade cordial

sem futuro cresce floresta branca

sob um céu cinzento

carregado de nuvens de fumaça

todos parecem felizes

cai a tarde de sangue e pó calcário

sobre noite alunar cemitério de culpas

com seus absurdos edifícios de silêncio

segue a cidade em perfeita desordem




A primeira vez

a primeira vez que li Bandeira

imaginei que estava com tuberculose

passado o surto susto parnasiano

a doença lírica de minha adolescência poética

caminhei com o poeta pelo Recife Velho

com suas pontes mangues e praias sedutoras

ouvi cantigas de infância

dancei frevo e maracatu

folia de roda com Lia na Ilha de Itamaracá

coelho sai coelho não sai

cai mais um dia no cais do sonho

mergulhei por fim no mar modernista

vivi meu carnaval de Cinzas

de esquivas sombras na rua do Sabão

à Pasárgada só fui depois de muito me morrer

de leituras solitárias em noites sem alento




A poesia

a poesia a meta

o que a cada dia

pela pedra calcária

se arquiteta

a poesia a meta

o que se irradia

pela palavra arcaica

sem medo se cultiva

a poesia a meta

tudo o que se deriva

da vida precária

de onde nada se leva

não pela metade

a poesia a meta

de tudo o que poderia

a cidade ser mas não é

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