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Cinco poemas solares de Cláudio Bento


CLÁUDIO BENTO / FOTO: DIVULGAÇÃO




A CHUVA E O SOL


Absorver

Do sol

               Não

               O que

               Há nele de brilho

E sim

De áspero

               O que

               Há de áspero

               No sol

É a sua

Penumbra

               O momento

               Entre

               O arrebol

E a boca

Da noite

 



CONSTRUÇÃO DOS QUINTAIS


Os quintais da minha infância

Me recebiam

Com farfalhar

De asas de borboletas

Com o barulho lacustre

Na cantiga dos sapos

Ou o revoar de canários-do-reino

Por entre cajueiros e jenipapeiros

A infância me deu aventuras

De galope no dorso dos cavalos

E canto de galos

Num amanhecer vermelho de sol

Mas tudo acaba

Um dia desceram a cortina

Tudo ficou guardado

No velho baú do passado


ESPANTOS


Em quase nada

Me guardo

O chão de folhas

Das palavras

E o rumor de relâmpagos

Fabricando chuvas

O amanhecer do lume

No alvorecer da lâmina

Como guardar este sol

Como esconder esta lua

Que sequer percebem

O clarão que faz tudo nascer

Ou então fenecer como uma faca

Atravessada nos olhos


A INSANA VERTIGEM DA ESPERANÇA


Só nos resta

Esperar a noite

Como se esperássemos

Uma festa

Esperar sempre foi

A nossa sina

Esperar

Esperar

Esperar

A manhã do novo dia

O clarão da aurora

O brilho das estrelas

Ainda estamos

Mesmo lugar

Movidos

Por uma insana esperança

Com o coração nas mãos

Esperamos

Já não temos

Saudade

Já não temos

Dor

Já não temos

Fome

O que temos

É esta vertigem

Esta sede

De esperança 



TEMPO DE CHUVA


Não ia viver mais

A respirar

                Aquele

                Cheiro

                De mofo

Conhecia

               Bem a casa

O assoalho

A cumeeira

O quintal

                Os passos da minha mãe

                A caminhar pela casa

A chuva

O vento

O escuro da noite

Mariposas

Arrodeando

A lâmpada da sala




Cláudio Bento é uma das vozes importantes da cena poética de um dos lugares mais fascinantes do Brasil, o Vale do Jequitinhonha, região nordeste do Estado de Minas Gerais. Poeta, letrista, ator e produtor cultural, nasceu em 1959 na cidade de Jequitinhonha, onde reside atualmente depois de muitas perambulações por outras paragens, a exemplo dos demais viventes do sertão esquecido pelo povo do poder eterno. Seus primeiros livros apareceram nos anos 1980: Coração de barro e Cabeça de poeta, títulos que demarcaram antinomias características do seu gesto poético - emoção, razão, natureza, cultura. A linguagem contida, precária, o distingue, e diz muito sobre uma experiência criteriosa, disfórica até, do seu tempo e espaço. Invenção das coisas é seu título mais recente, lançado em 2022. Os poemas aqui publicados fazem parte do inédito Aquelas tardes de sol ardente, conforme informado pelo poeta ao enviá-los a Sphera em 09 de janeiro de 2023.

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