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Do contexto multilingue à emergência de uma Educação eminentemente Inclusiva

Atualizado: 28 de dez. de 2022

Gilberto Necas Mucambe Milice

Foto: UNICEF Moçambique/2017/Ruth Ayisi



1. Introdução

A problemática da qualidade de ensino, com particular referência à fraca habilidade de leitura (e da escrita) afecta a todos os subsistemas de educação, em Moçambique (do primário ao superior), constituindo motivo de preocupação de diferentes extractos da sociedade. Este facto tem sido objecto de estudos e trabalhos relativamente numerosos (Gonçalves & Dinis, 2004; Faquir, 2016; Menezes, 2016; só para mencionar alguns exemplos), que convergem na existência de dificuldades consideráveis na comunicação, respectivamente, ao nível da competência linguística e da competência compositiva.


A questão central é que o debate teórico sobre o Processo de Ensino-Aprendizagem (PEA) da leitura ‒ associado à sua prática ‒ ainda não se revelou exaustivo[1], na medida em que, de um modo geral, “a apropriação desta habilidade pelos alunos tem sido insatisfatória (…), ou seja, ainda prevalecem inquietações sobre a qualidade do ensino (…), pois existem alunos não capazes de usar a leitura (…) na prática social, particularmente no contexto escolar e na aprendizagem de diferentes conteúdos” (MINEDH, 2017, p. 6-7). Em 2013, o porta-voz do MINEDH reconheceu que “uma parte significativa de crianças do ensino primário nas escolas públicas moçambicanas não sabe ler, escrever, fazer a cópia, a redacção e tem lacunas no domínio da tabuada, supostamente porque estes aspectos não foram acautelados no actual currículo e os professores não têm conhecimentos sólidos das metodologias desenhadas para este nível”[2].


Uma pesquisa levada a cabo por Menezes (2016) sobre o PEA do Português a alunos de educação bilingue, em Moçambique, constatou, de entre outras, as seguintes fragilidades: i. muitos alunos apresentam problemas de escrita, por vezes apresentando-a de forma ilegível e incompreensível; ii. revelaram dificuldades relativamente às perguntas que exigem respostas mais elaboradas e/ou cujas respostas têm de ser extraídas de um parágrafo com muita informação; iii. demonstram dificuldades em produzir estruturas com sequência lógica e sem erros ortográficos, nas perguntas que exigem análise na sua globalidade; e, iv. apresentam muitas dificuldades na escrita do português, substituindo os sinais gráficos por icónicos, por não terem o domínio da grafia das palavras.


Reconhecendo esta situação, o MINEDH lançou, em 2017 ‒ em meio do Plano Estratégico da Educação: vamos aprender construindo competências para o desenvolvimento de Moçambique (PEE, 2012 - 2016 com extensão até 2019), o Plano Nacional de Leitura e Escrita (PNALE), um instrumento “conferido com a dimensão de uma Política do Estado, de natureza abrangente, dada a importância de que se reveste a leitura e a escrita” (ibd, 2017, p.4). Este documento viria, mais tarde, em 2019, a ser implementado através de um instrumento da sua operacionalização denominado Manual de Apoio ao Promotor de Leitura, que orienta uma série de actividades de carácter pedagógico que devem ser realizadas com vista a promoção e resgate dos hábitos de leitura pelos alunos.


O cenário fica ainda mais crítico quando se trata da educação especial, uma vez que tais problemas afectam também, e de forma mais acentuada, as pessoas com Necessidades Educativas Especiais (NEE), dentre os quais a dificuldade de escrita (correcta) das formas da língua em seu registo padrão (…) (Simões 2006, p. 48). As pessoas com NEE sofrem de certas disfasias ou afasias que lhes dificulta a aprendizagem, o que se traduz nos elevados índices de iliteracia no seio deste extracto da população. Houaiss (2001) associa a iliteracia também ao “significado de barbarismo: barbarismo gráfico, barbarismo gramatical, barbarismo semântico, típico do iletrado” (Houaiss, 2001), facto notório em alguns textos produzidos por alunos com NEE. Desta perspectiva, afirma Nataniel Ngomane[3], a iliteracia “impede, à partida, uma melhor compreensão dos textos e de outros fenómenos, de um modo geral, limitando a capacidade de análise de textos quanto da realidade circundante, contribuindo, em última análise, para a baixa qualidade do ensino (…) que se reflecte na reduzida capacidade de compreensão e elaboração do pensamento, que conduz a um baixo aproveitamento escolar e a consequente (nosso grifo) manutenção – senão mesmo agravamento – do estado de subdesenvolvimento do país”. Diante destes pressupostos, o papel da escola, mais do que formar leitores, é de formar leitores que contextualizem o objecto lido com a sua carga de conhecimento, leitores que raciocinam e que mantenham uma relação crítica e opinativa com o que está sendo lido, que buscam entender o conteúdo transmitido com o objecto de leitura (Arana & Klebis, 2015).


O presente trabalho vai dedicar-se à discussão da relação entre o letramento e o E-A da leitura em português (língua segunda – L2) no contexto da Educação Inclusiva (EI), em Moçambique, com vista a contribuir para uma reflexão aberta e franca sobre estes dois assuntos. Como é de se imaginar, trata-se de um tema cujo tratamento não se pode ter a pretensão de se esgotar no espaço como o que se nos oferece. A presente comunicação vai desenvolver-se na prossecução dos seguintes objectivos: a) discutir sobre literacia/letramento em Moçambique; b) propor uma reflexão sobre a situação actual da leitura em Moçambique e os desafios que ainda se colocam; c) discutir as formas de ensino da leitura no contexto da EI em Moçambique; e) argumentar a favor do letramento (baseado na exposição à leitura) para a aprendizagem da leitura, particularmente, a alunos com NEE.

Para se alcançar os objectivos acima, o texto está organizado em cinco secções. Depois da Introdução, o texto discute o lugar do português no ensino, seguido do conceito “Educação Inclusiva”. A seguir, debruça-se sobre o tema “Literacia e/ou letramento no E-A da leitura: um meio para a inclusão”, discutindo, simultaneamente, os conceitos de letramento e leitura. Finalmente, apresenta as considerações finais sobre as discussões desenvolvidas ao longo do texto.



2. O lugar do Português no PEA da Leitura

A concepção de uma didáctica funcional de leitura do português no quadro da inclusão deve tomar em consideração, além dos aspectos intrínsecos ao indivíduo (suas especificidades e peculiaridades), e o meio sócio-linguístico-cultural em que os aprendentes se encontram inseridos. Em Moçambique, o português, adoptado como única língua oficial, logo após a independência – numa ideologia política de evitação, em relação às línguas autóctones de origem bantu –, é língua segunda (L2) para a maior parte dos moçambicanos e língua estrangeira (LE) para a maioria das populações nas zonas rurais (cf. Menezes, 2016, p. 56; Faquir, 2016, p. 27; Mendes, 2010, p. 21; Gonçalves, 2010, p. 7). As estatísticas oficiais consubstanciam aquela premissa: de acordo com o senso de 2017, 11.707.468 (52.6%) da população moçambicana, de cinco anos e mais, não sabe falar português (INE, 2017), o que equivale dizer que o português, em Moçambique, ainda é LE para a maioria da população da faixa etária referida. A distinção entre LE e L2 reside no facto de as primeiras serem aprendidas por via instrucional, com exposição à língua-alvo no contexto da sala de aula (“onde não existem ou existem oportunidades limitadas para usar a língua na vida diária” – Ellis, 2015, p. 18), e as segundas são adquiridas em ambiente natural, com a exposição à língua-alvo, não só na escola como no seio da comunidade em que vivem os aprendentes (Gonçalves & Stroud, 2000, p. 9 apud Menezes, 2016, p. 29), ou seja, na aquisição da L2, esta língua goza um papel institucional e social na comunidade, funcionando como um meio de comunicação reconhecido na comunidade entre os membros que falam outras línguas como suas línguas maternas (Ellis, 1999, p. 12). O termo “língua segunda” refere a qualquer língua que é aprendida quando o sistema da primeira língua (L1) já estiver adquirido: não se fazendo distinção entre a “segunda”, “terceira” ou “quarta” (etc.) língua que um indivíduo aprende (Littlewood, 2006, p. 502; Gass & Selinker, 2008, p 123).


A convivência entre o português e as línguas nativas e o contacto linguístico[4] entre elas torna-se incontornável, o que reacende a já antiga discussão sobre o papel da L1 na aprendizagem da L2. Corroboramos a ideia de Lopes (s/d, p. 223), quando afirma que “interagir com diferentes línguas e culturas e, do mesmo modo, interagir com a mesma língua e diferentes culturas é muito útil porque estas interacções fornecem perspectivas diferentes da nossa e nos libertam de preconceitos que, muitas vezes, são condicionados culturalmente”. Assumimos, no entanto, que o E-A da leitura do português como L2/LE é um processo complexo e moroso que, no contexto de Moçambique – uma sociedade multilingue, plurilingue, multicultural e multiétnica e com uma elevada diversidade linguística média[5] –, vai se desenvolvendo em paralelo com a aquisição ou aprendizagem da L2/LE, até à sua convergência com a L1. No entanto, alguns teóricos (Selinker, 1972[6]; Littlewood, 2006; Gonçalves, 2015) defendem que comumente os aprendentes de uma L2 não são capazes de adquirir a língua-alvo com sucesso total, i. e., não alcançam uma convergência total. Eles entram num processo designado por Selinka (1972) de fossilização, ficando em uma interlíngua, ou seja, adquirem uma competência transitória. Isto remete-nos, por exemplo, para uma possível descrição do português falado em Moçambique como uma interlíngua ou que os seus falantes se tenham fossilizado. No entanto, a dimensão em que a fossilização e a própria interlíngua ocorrem é controverso. Lopes (s/d, p. 202) afirma que muitas pessoas em contextos plurilingues aprendem línguas segundas e línguas estrangeiras com elevado sucesso, sendo que se tivesse, por exemplo, que “teorizar o português moçambicano (PM) como interlíngua, isso empurrar-nos-ia para o contexto de sérias implicações teóricas e ideológicas” (ibd). Este autor opõe-se à teoria da interlinguagem, considerando-a de base etnocêntrica, uma vez que os seus defensores postulam que o assunto da norma e do padrão é assunto pertencente exclusivamente ao círculo de variedades nativas.



3. Educação Inclusiva: conceitualização e novas abordagens

A inclusão/educação inclusiva continua sendo o movimento mais significativo na área da educação especial. Como uma filosofia educacional, esta, essencialmente, postula que “crianças excepcionais devem ‘fazer parte da’ e não ‘aparte da’ educação geral (Kirk, et. al., 2009, p. 57). No entanto, vários pesquisadores da área das NEE convergem em apontar o termo inclusão e Educação inclusiva, como conceitos que geram controvérsia, confusão e ambiguidades (Reid, 2005; Kauffman et. al. 2011; Mitchell, 2005; Hornby, 2014; Ainscow, 1999, 2009). Das causas apontadas para esta concepção destaco as seguintes:


a. a inclusão como conceito e valor é agora reconhecido como complexo e com muitos significados (Norwich, 2013; Armstrong, et. al., 2010)[7], centrados em duas conceptualizações diferentes de necessidades especiais: (i) um modelo psico-médico[8], e (ii) um modelo sócio-político (Mitchell, 2005);

b. as “políticas de inclusão total”, com a sua visão de todas as crianças serem educadas em turmas regulares a tempo inteiro, é teoricamente sem sentido e praticamente impossível de alcançar (Hornby, 2014);

c. as crenças sobre até que ponto os estudantes com deficiências podem ser integrados com os sem deficiência, também permanecem controverso e não há consenso sobre se o termo “inclusão” refere a ambas: inclusão parcial ou total, ou se todas as crianças e adolescentes com deficiências – sem excepções – poderão ser incluídos na educação geral (Kauffman, et. al., 2011);

d. verificam-se lacunas entre as políticas e práticas na educação inclusiva, com uma variedade de explanações e soluções sendo avançadas. A Educação Inclusiva vai além das NEE provenientes de deficiências (e da mera colocação física - acesso), e inclui considerações de outras origens de desvantagens e marginalização tal como género, pobreza, linguagem, etnia e isolamento geográfico (Mitchell, 2005).


Para Norwich (2008, p. 18), o termo inclusão deve sua força particularmente por substituir o termo integração. Para este autor, a integração era vista como ligada àqueles com NEED, mas a inclusão vai além, para referir a outros que experienciam a exclusão social. Assim, de acordo com este autor, a inclusão é tida como portadora de um significado sistémico e social, que diz respeito à estruturação de escolas ordinárias ou regulares, para que tenha capacidade para acomodar a todas as crianças, e a integração é vista como sendo mais a colocação de uma criança em um sistema que a assimila sem se adaptar para a acomodar (ibd). Uma definição de “Inclusão” que nos parece mais completa é trazida por Zigmond & Baker (1997), ao apontarem que


Inclusion certainly means ‘place’, classroom in a regular school building, and a seat in an age-appropriate general education classroom. It also means access to, and participation in, the general education instructional programme, either full-time or part-time. And it means bringing special education teachers or special education paraprofessionals into general education schools and classrooms to help make inclusion work (Zigmond & Baker, 1997, p. 107).


Os autores acima reconhecem, contudo, o termo Inclusão pode significar muitas coisas diferentes em diferentes escolas e no seio de diferentes profissionais (ibd). No entanto a sua definição demonstra que o conceito leva consigo a uma série de desafios para a sua implementação, principalmente, para países em desenvolvimento. Em Moçambique, por exemplo, a falta quase generalizada de profissionais e/ou professores de educação especial pode fazer com que a concepção de inclusão seja diferente.


A definição da “educação inclusiva” adoptada por Moçambique é a que foi avançada pela UNESCO (1998), “um processo de desenvolvimento da escola regular, no seu todo, virado para o acolhimento educacional de todas as crianças, jovens e adultos, respeitando as suas diversidades físico, mental, social, linguístico, racial, religiosa e outras particularidades” (cf. EEIDCD, 2020-2029). Esta definição alinha-se com as políticas educacionais inclusivas vigentes, onde se pressupõe que todas as crianças carenciadas de uma educação mais especializada (incluindo as Pessoas com Deficiências - PD) devem ser integradas em escolas regulares para promover a sua inserção social (Michaque, 2013, p. 35). A ideia subjacente a esta política é a de “permitir a inclusão ou integração das crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares, evitando-se a sua segregação em escolas ditas especiais, cujos ambientes excluem a criança, o jovem ou o adulto do meio escolar, do convívio de outras pessoas sem deficiência, o que retarda o processo de ensino e aprendizagem, bem como a socialização destas pessoas com deficiência” (ibd).


Portanto, a definição de Moçambique ilustra a ideia de colocar estudantes com deficiência em turmas da educação geral e em outras actividades escolares (Hallahan, et. al., 2014, p. 24). Trata-se, porém, de uma perspectiva tradicional de inclusão, que nas abordagens actuais tende a mudar para novas abordagens de inclusão, uma vez que, a educação inclusiva contemporânea requer maior mudança dos paradigmas tradicionais para novos paradigmas educacionais (Mitchell, 2005, p. 20), que vão ao encontro das necessidades da criança.


As razões apontadas para a permanência de muitos países no paradigma tradicional “de todos juntos nas turmas regulares” prendem-se, principalmente, nas considerações económicas, que, de acordo com Mitchell (2005) desempenham um papel significativo na determinação de abordagens educação inclusiva. Esta inclui, de entre outras, o reconhecimento de que não seria financeiramente realista fornecer escolas especiais em todo o país. Países em desenvolvimento, como é o caso de Moçambique, “estão inclinados a adoptar uma abordagem pragmática e economicamente viável da educação inclusiva, reconhecendo que não seria exequível estabelecer escolas em todo o território e que os centros regionais são dispendiosos de operar” (Mitchell, 2005, p. 18), sendo que “escolas regulares com uma orientação inclusiva representam a única perspectiva realística, em muitos países, de dar acesso a educação a pessoas marginalizadas” (Articles & Dyson, 2005, p. 41).


Daí que, Julie Allan sugere um repensar da Educação Inclusiva, explorando algumas complexidades filosóficas da inclusão e permitir a reformulação do “projecto Inclusão” (Allan, 2008), de modo a resgatar a educação da ‘tirania da técnica’/‘tyranny of the technical’ (Fielding, 2001 apud Allan, 2008, p. 97), que limitou a todos – talvez em especial aos professores – na impossibilidade e na exclusão, colocando alunos e professores a subverter (o poder omnipresente), a subtrair (de forma criativa a rigidez dos espaços escolares, de modo a suavizá-los) e a inventar (para garantir a presença do “outro” e para produzir indecisão (em detrimento de resultados na aprendizagem ou em que a aprendizagem não pode ser predizível) (ibd., p. 101). Garry Hornby, por sua vez, depois de constatar que a educação inclusiva e a educação especial são baseadas em filosofias diferentes, tendo sido desenvolvidas para razões diferentes, propõe uma teoria da Educação Inclusiva Especial (EIE)/Inclusive Special Education (ISE) que compreende uma síntese da filosofia e valores da educação inclusiva com as práticas e procedimentos da educação especial (Hornby, 2014, p. 5). Desta forma, afirma o autor, a educação especial inclusiva fornecerá a filosofia e as orientações para políticas, procedimentos e estratégias de ensino que facilitarão a oferta de uma educação eficaz para todas as crianças com Necessidades Educativas Especiais e Deficiência (NEED). Esta nova proposta envolve o reconhecimento de que todas as crianças com NEED serão educadas dentro do sistema de educação único em cada país, com a maioria nas escolas regulares.


Nesta perspectiva, uma Educação Inclusiva Especial teria, de acordo com Hornby (2014, p. 14), as seguintes componentes: i. máxima inclusão em escolas regulares; ii. melhores práticas de educação inclusiva; iii. colaboração entre as escolas especiais e as escolas regulares; iv. organização para proporcionar uma óptima educação; v. Educação em condições apropriadas; vi. opcionais de colocação continnum (turma regular com diferenciação de trabalho pelo professor da turma; turma regular com orientação para o professor ministrada por um professor especialista; turma regular com apoio ao aluno por um professor um auxiliar; turma regular com algum tempo passado em uma sala de recursos; turma especial dentro de uma escola regular; turma especial que faz parte de uma escola especial mas está ligada a uma escola regular; Escola especial que fica no mesmo campus que uma escola regular; Escola especial em um campus separado; e, Escola especial residencial no seu próprio campus.


Hornby (2014) recorre a Salend & Whittaker (2012) para apresentar uma lista de boas práticas a serem implementadas no contexto da Educação Inclusiva Especial, designadamente:

i. fomentar a aceitação da diferença e da diversidade; ii. adoptar uma abordagem baseada em pontos fortes, focada no desenvolvimento de competências; iii. utilização da EIE para se focar nos pontos fortes e desafios dos alunos; iv. utilização de sistemas de resposta para intervenções, para organizar intervenções; v. utilizar o design universal para aprender a diferenciar a instrução; vi. utilização de intervenções e suportes de comportamento positivo para gerir comportamentos; vii. utilizar uma série de estratégias de avaliação para monitorizar o progresso e informar o ensino; viii. utilizar uma gama de tecnologias auxiliares e instrutivas para facilitar a aprendizagem; ix. utilização de aprendizagem mediada por pares, como tutoria de pares e aprendizagem cooperativa; x. ensinar os alunos a utilizar abordagens de aprendizagem eficazes, como estratégias metacognitivas; xi. garantir que as intervenções e os processos são culturalmente relevantes e responsivos; e, xii. colaborar em estreita colaboração com os pais das crianças com NEED e profissionais.



4. Literacia e/ou letramento no E-A da leitura: um meio para a inclusão

Estudar a questão da literacia, em Moçambique, é uma questão premente, dado que pode ser a uma solução para os problemas dos alunos, caso os professores aproveitem do conhecimento que os alunos trazem das suas práticas sociais de literacia nas comunidades para ensinar a leitura (Menezes, 2016, p. 40, o itálico é nosso). Esta autora afirma ainda que, o termo literacia merece toda a atenção dos linguistas e dos dirigentes da educação, já que seria importante que se verificasse como se dá e qual o tipo de literacia, por exemplo, se aplica aos alunos com NEE, de forma a encontrarem algumas soluções para as dificuldades que os professores enfrentam no ensino da leitura em Português (itálico nosso).


A atenção que se propõe parte das abordagens referentes à aprendizagem dos alunos com NEE, relatadas no Relatório de Warnock (1978), segundo o qual o desenvolvimento intelectual destes alunos dá-se da mesma forma com os demais alunos, porém com percursos mais lentos e com algumas flutuações e que, por conta disso, devem ser incluídos no ensino regular[9], assumindo, desta feita, que o letramento, como estratégia para incluir os alunos com NEE, é sempre um meio, nunca um fim (Valério, s/d).


No entanto, os termos literacia e letramento têm sido usados de maneiras diferentes por diversos pesquisadores da área da educação e da linguística aplicada educacional. Menezes (2016, p. 40), por exemplo, aponta que o termo literacia é também denominado letramento, em Moçambique, ou seja, encara os conceitos como sinónimos, visto sobre o modelo ideológico. Entretanto, apesar de seguir o mesmo modelo, Ody & Vialy (2013) encaram os termos com uma certa diferença e procuram demonstrar a sua interface. Para eles, a literacia implica o domínio e uso de competências adquiridas na leitura (na escrita e no cálculo) e nas actividades quotidianas, ensinando e aprendendo com as interpretações extraídas das informações, preocupando-se com o vínculo das habilidades e competências com as funções que a leitura (e a escrita) desempenham na capacidade de processar, perceber, interpretar e analisar, com vista a promoção de aprendizagens significantes para a formação de um sujeito cidadão; já o letramento refere-se ao uso da leitura e da escrita nas práticas sociais, no contexto e na experiência particular da pessoa, portanto o letramento seria a contemplação de um processo histórico de transformação no uso de instrumentos mediadores (Vygotsky, 1984). O cidadão letrado exercita as habilidades e competências da leitura e da escrita, utilizando instrumentos mediadores para descodificar e dar sentido às informações e na tomada de decisões Ody & Vialy (2013).


As definições, acima, apontam para uma proximidade bastante acentuada nos dois conceitos (literacia e letramento), uma vez que cada um penetra no outro, destacando as habilidades e capacidades no processamento de informações com a finalidade de promover o bem-estar dos indivíduos nas práticas sociais e culturais, utilizando, para isso, a leitura (e a escrita). Esta proximidade dos dois conceitos consubstancia a perspectiva de Menezes (2016) de encarar os dois termos como sinónimos, até porque a palavra letramento tem sua origem na palavra inglesa literacy, originada do latim Literacy, cuja composição é formada por littera (letra), acrescentada do sufixo “cy”, que significa qualidade, condição, estado, facto de ser. Nesse sentido, Literacy[10] é a qualidade, a condição, ou o estado daquele que possui o domínio das letras, ou seja, designa o estado ou condição daquele que é literate (adjectivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita) que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e frequente da leitura e da escrita (Soares, 2009, p. 35-36).



4.1 Modelos de letramentos

De acordo com Terra (2013), as controvérsias[11] sobre a definição de letramento podem ser observadas, por exemplo, a partir de certas posições teóricas antagónicas de pesquisadores e estudiosos, uns considerando o letramento como uma questão social e política e, portanto, ideológica (apontando como exemplos Kleiman, 1995/2001; Marcuschi, 2001; 1993; Street, 2003, 2001, 1995, 1984), enquanto outros, como Hasan (1996) e Halliday (1996), mesmo admitindo a existência de aspectos políticos, sociais e cognitivos envolvidos no letramento, vêem esse fenómeno como inteiramente linguísticomodelo autónomo. Este modelo tem como característica o facto de abordar o letramento como uma realização individual, i. e., o foco concentra-se no indivíduo e não em um contexto social mais amplo no qual o indivíduo opera. O letramento é percebido como uma habilidade que é adquirida por um indivíduo, geralmente, dentro de um contexto educacional, tendo como base o uso da linguagem oral e afectando, como resultado, o desenvolvimento cognitivo (Street, 1984). Como esclarece Street (2001:7),


O 'modelo autónomo de letramento' funciona a partir do pressuposto de que o letramento 'per se' - autonomamente - terá efeitos em outras práticas sociais e cognitivas. Entretanto, esse modelo, levando a crer que tais práticas são neutras e universais, na verdade, mascara e silencia as questões culturais e ideológicas que a elas são subjacentes.


Nesta perspectiva, o modelo autónomo desconsidera tanto a natureza social do letramento quanto o carácter plural de suas práticas, adoptando, outrossim, uma orientação que resulta em uma confusão das diversas manifestações sociais do letramento com a escrita como tal, levando, pois, à ideia de que a escrita não passaria de uma das formas de letramento, ou seja, o letramento pedagógico (Marcuschi, 2000/2001:15). Nessa linha de pensamento, a hipótese é a de que a escola trabalhe fundamentalmente no quadro do 'modelo autónomo de letramento', i. e., as práticas escolares tendem a considerar as actividades de leitura e de escrita como individuais, psicológicas, neutras e universais, independentes dos determinantes culturais e das estruturas de poder que as configuram no contexto social.


Já os defensores do modelo ideológico concentram-se nas práticas sociais específicas de leitura e escrita, reconhecendo a sua natureza ideológica e, por conseguinte, culturalmente embutida em tais práticas (Street, 1984, p. 117). Este modelo advoga o significado do processo de socialização na construção do significado da literacia dos participantes e, portanto, preocupa-se com as instituições sociais no geral, através das quais este processo se desenrola e não somente as instituições educacionais (ibd). No entanto, Kleiman (1995) alerta que o modelo ideológico não deve ser entendido como uma negação de resultados específicos dos estudos realizados na concepção autónoma do letramento. Segundo esta autora, os correlatos cognitivos da aquisição da leitura e da escrita na escola devem ser entendidos em relação às estruturas culturais e do poder que o contexto da aquisição da leitura e da escrita na escola representa (Kleiman, 1995, p. 39). De acordo com esta autora, as diferenças nas práticas discursivas de grupos socioeconómicos distintos, devido a formas que eles integram a escrita e a leitura no seu quotidiano, têm avançado por conta de estudos que adoptam um pressuposto que poderia ser considerado básico, no modelo ideológico – que as práticas de letramento mudam segundo o contexto (ibd), o que leva a considerar que “o trabalho no campo do letramento, na realidade, disfarça a maneira em que a abordagem supostamente neutra, efectivamente privilegia as práticas de letramento de grupos específicos de pessoas, mostrando-se, assim, um modelo ideológico e não autónomo” (Street, 2003 apud Menezes, 2016, p. 43).


Para fundamentar o posicionamento acima descrito, Kleiman (1995) recorre a um estudo etnográfico de pequenas comunidades do sul dos Estados Unidos, realizado por Heath (1982 e 1983), que mostra que o modelo universal de orientação letrada prevalecente na escola, constituiu uma oportunidade de continuação do desenvolvimento linguístico para crianças socializadas por grupos maioritários altamente escolarizados, mas representou uma ruptura nas formas de fazer sentido com base na escrita para crianças fora desses grupos, sejam eles pobres ou de classe média com baixa escolarização. Na mesma linha de pensamento, o estudo voltado para o contexto moçambicano, inserido no debate sobre a educação bilingue, realizado por Menezes (2016), mostra que o modelo de ensino bilingue, em implementação, na maioria dos casos, fora das capitais provinciais, levanta uma certa desconfiança, por alguns pais e encarregados de educação de alunos matriculados naquele modelo, uma vez que aventam a hipótese segundo a qual aquele tipo de ensino veio para que os seus filhos não tenham acesso ao poder nas cidades capitais, já que estas seguem um modelo de ensino monolingue tradicional, onde estão matriculados os filhos das elites detentoras do poder e dos que vivem nas zonas urbanas.


Os resultados do estudo de Heath e as constatações de Menezes demonstram que a abordagem do letramento não é linear devendo ser encarada tendo sempre em consideração o meio envolvente e as especificidades de cada grupo alvo.


Os alunos com NEE constituem um grupo minoritário incluídos num universo maior, no contexto da educação inclusiva, susceptíveis de serem ‘anulados’ – e o seu potencial recalcado –, em benefício da maioria dita normal. É o que mostra o estudo de Bavo e Coelho (2019), ao constatar, por exemplo, que o Ensino-Aprendizagem de surdos, em Moçambique, ainda é feito na perspectiva ouvintista, e os programas de ensino para os alunos com NEE são, na sua generalidade, concebidos para todo o universo escolar, incluindo para as escolas especiais em funcionamento. A este respeito, Correia realça que


O modelo autónomo de letramento, comummente adoptado pela esfera escolar, caracteriza-se por apresentar práticas de ensino centradas nas relações hegemónicas, o que, de certa maneira, implica a desconsideração do contexto e das particularidades das vivências dos alunos (especialmente as diferentes formas com que lidam com a escrita) mediante a imposição de conteúdos universais e neutros. Nesse caso, os sujeitos letrados são necessariamente alfabetizados e essa condição lhes confere progresso e maior mobilidade social, promovendo, assim, um processo de estigmatização em relação àqueles que não dominam a modalidade escrita da língua (Correia, 2016. p. 262).

Destas perspectivas, Menezes (2016, p. 44) julga ser pertinente uma mudança de visão e de abordagem da questão do letramento, sendo necessário que aqueles que têm acesso ao discurso e ao poder dominante e que reproduzem as fontes de letramento abandonem o tipo de letramento discriminatório e abracem o letramento direccionado a todos os grupos sociais, de modo a que todos tenham acesso à linguagem e ao letramento do poder em qualquer parte do mundo. Corroboro o pensamento desta autora, que, na minha óptica, é de extrema relevância, dado que, independentemente da classe social ou do nível de dificuldade na aprendizagem, o aluno deve ter a oportunidade efectiva de aceder ao letramento construtivo e, por consequência, de utilizar a linguagem em diferentes contextos de comunicação. É, portanto, através desse letramento e do domínio da linguagem que o aluno (com NEE) se transforma e passa a exercer o seu verdadeiro papel de cidadão. O aluno adquire o direito de compreender e produzir a linguagem da classe dominante, e a sociedade, por sua vez, dará a sua contribuição para minimizar a desigualdade biológica e cultural das classes menos favorecidas, dando-lhe a oportunidade de crescimento e autonomia (Valério, s/d), pois o letramento para o domínio da leitura é, em si, um processo de inclusão.


O modelo ideológico, na óptica de Street (2001), consegue perceber as habilidades técnicas envolvidas, por exemplo, na codificação, no reconhecimento das relações entre fonemas e grafemas e no engajamento das estratégias ao nível das palavras, frases e textos, como se exige nos programas actuais de letramento, e reconhece, igualmente, que tais habilidades técnicas estão sempre empregadas num contexto social e ideológico que dá significado às próprias palavras, frases e textos (op cit).



4.2 Tipos, eventos e práticas de letramento

Uma perspectiva aglutinadora dos dois modelos acima descritos configura-se ideal, na medida em que estudar o E-A da leitura de alunos com NEE, que resvalam nas Dificuldades de Aprendizagem (DA), requer uma abordagem holística do ponto de vista das especificidades individuais como do meio envolvente, “entre a casa e a escola” como defendem Menezes (2016) e Halliday (2007, p. 81). Aliás, Menezes (2016) faz referência a Street (1993, p. 102) para sublinhar que a questão do letramento deve ser estudada de acordo com uma abordagem etnográfica, isto porque “o letramento não é pura e simplesmente um conjunto de ‘habilidades técnicas’ uniformes a serem transmitidas àqueles que não as possuem – o modelo ‘autónomo’, mas que sim existem vários tipos de letramentos nas comunidades e que as práticas associadas a esse letramento têm base social”. Seguindo esta perspectiva Terra (2013) recorre a Barton (1994) para falar de 'letramento digital', 'letramento visual', 'letramento político' e assim por diante, sendo que a chave para novas visões do letramento, na sua opinião, estaria em situar a leitura (e a escrita) em seus contextos sociais.


Menezes (2016, p.41) reafirma que nos Novos Estudos de Letramento[12], encontramos o contraste entre os modelos de letramento – o binómio modelo ‘autónomo’ e o modelo ‘ideológico’, acima mencionados, bem como dois componentes básicos do letramento, os conceitos de ‘eventos de letramento’ e de ‘práticas de letramento’.

Os conceitos de práticas e eventos de letramento, oriundos dos novos estudos do letramento, têm mostrado uma contribuição significativa para a compreensão das práticas sociais que fazem o uso da modalidade escrita, uma vez que a escrita e seus usos sociais permeiam a maior parte das actividades de interacção humana (Barton e Hamilton, 2004 apud Correia, 2016, p. 262).


De acordo com Correia (op cit), o conceito de eventos de letramento, proposto por Heath (2001), designa as situações em que um texto escrito esteja presente e sendo utilizado para construção de sentidos na interacção com o outro, sendo considerados, dessa forma, eventos visíveis. Esta autora ainda afirma que, por sua vez, o conceito de práticas de letramento, proposto por Street (1988), é visto como algo mais amplo, que dá sustentação aos eventos de letramento, implicando o conjunto de vivências, de valores e experiências que envolvem a modalidade escrita da língua, que, apesar de não serem visíveis, as práticas podem ser depreensíveis a partir dos eventos. Daí que, para Barton e Hamilton (2012, p. 7) os eventos – as actividades sobre as quais o letramento tem uma função/episódios observáveis que surgem das práticas e são formatadas por elas – são excelentes pontos de partida para a investigação no campo do letramento, pois a partir da identificação dos eventos podemos depreender as práticas – as formas culturais de utilizar o letramento – envolvidas nesse processo.


Entretanto, como vimos anteriormente, as práticas escolares predominantes no mundo é o modelo autónomo de tratamento que considera a aquisição da leitura e escrita como um processo neutro que, independentemente de considerações contextuais e sociais, promove aquelas actividades necessárias para desenvolver o aluno (cf. Klaiman, 1995, p. 44-45). Ao considerar o indivíduo como o proponente do PEA, este modelo anula os chamados letramentos sociais – aqueles que surgem e se desenvolvem à margem da escola, mas não precisando, por isso, serem depreciados (Marcuschi, 2010, p 19). Aliás, os eventos de letramento estão ligados a sequências rotineiras da vida diária (Barton & Hamilton, 2012), que os professores devem explorar nos alunos com NEE[13]como ponto de partida para o Ensino-Aprendizagem da leitura e da escrita. Menezes (2016, p. 45) secunda, afirmando que hoje em dia, a boa prática em educação exige que os facilitadores expandam aquilo que os aprendizes trazem para a sala de aula, ouvindo, e não apenas transmitindo, e respondendo às articulações locais do que é ‘necessário’, tanto quanto chegando aos próprios ‘julgamentos’ dessa necessidade, como pessoas de fora. Esta autora acrescenta que, da mesma forma, a boa prática política exige que os que desenvolvem essa prática escutem a proveniência das pessoas, expandindo os pontos fortes locais, sem simplesmente imaginar que é possível trabalhar sem eles (ibd). De facto, o letramento para pessoas com NEE, com Dificuldade da Aprendizagem, envolve levar em conta, não apenas o meio social da proveniência, mas também e, fundamentalmente, as características peculiares de cada aluno e as causas de cada disfasia/afasia, o que envolve o conhecimento do historial do aluno, da gestação à idade actual – o chamado diagnóstico psicopedagógico[14] - e o aproveitamento de toda esta informação e das vivências de cada um no Ensino-Aprendizagem da leitura, como aponta o relatório de Warnock


Special educational provision, in whatever shape, will be effective only if informed by an accurate assessment of all the factors - physical, mental and emotional - which condition a child's performance. Teachers must have full information about any special educational needs of the children for whose education they become responsible (Warnock Report, 1978, p. 106).


Daí que, para Barton & Hamilton (2012, p. 7), o letramento como prática social é (i) melhor entendido como um conjunto de práticas sociais; (ii) existem diferentes letramentos associados a diferentes domínios da vida; (iii) práticas de letramento são guiadas por instituições[15] sociais e relações de poder, sendo que algumas se tornam mais dominantes, visíveis e influenciam os outros; (iv) práticas de letramento são propositados e imbuídas nos amplos objectivos sociais e práticas culturais; (v) letramento é situado historicamente; (vi) práticas de letramento mudam e novas são frequentemente adquiridas através de processos de aprendizagem informal e partilha de sentido.


Por estes postulados e pela abordagem feita acima, o letramento não apresenta uma forma única, estanque ou estática. Barton & Hamilton (2012) enfatizam a diversidade das práticas de letramento em detrimento de atributos universais. De facto, o letramento é multifacetado e, por conta disso, sem uma definição aglutinadora. Aliás, Soares (2001, p. 65) afirma ser difícil definir o termo, uma vez que qualquer processo de avaliação ou medição exige uma definição precisa do fenómeno a ser avaliado ou medido, e a maior parte das dúvidas e controvérsias em torno de levantamentos e pesquisas sobre níveis de letramento têm sua origem na dificuldade de formular uma definição precisa e universal desse fenómeno e na impossibilidade de delimitá-lo com precisão. Essa dificuldade e impossibilidade, segundo a autora, devem-se ao facto de que o letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais; e acrescenta que uma primeira fonte de dificuldade, que atinge o cerne mesmo da questão, é que o letramento envolve dois processos fundamentalmente diferentes: ler e escrever, geralmente consideradas como uma mesma e única habilidade, desconsiderando as peculiaridades de cada uma e as dissemelhanças entre elas - uma pessoa pode ser capaz de ler, mas não ser capaz de escrever; ou alguém pode ler fluentemente, mas escrever muito mal (ibd).


E como forma de amenizar as discussões em torno dos modelos (autónomo vs ideológico), Soares (2009) afirma que o letramento apresenta as duas dimensões: a Dimensão Individual do letramento – das habilidades como ler e escrever –, e a Dimensão Social do Letramento – a natureza pragmática do letramento, ou seja, o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e escrita em um determinado contexto social. Estas dimensões devem ser levadas em consideração no processo de letramento de alunos com NEE, sendo que, nesta perspectiva, o letramento é, em si, uma estratégia para incluir alunos com NEE e, como tal, ele é sempre um meio, nunca um fim (Valério, S/d). Este autor refere-se à inclusão como problema do indivíduo “patologia” ou “déficit” do aluno, sem considerar seus determinantes escolares, culturais, socioeconómicos e políticos, que pressupõe, além do acesso a matrícula e à participação em todas as actividades escolares, a possibilidade de êxito fora do contexto escolar, até porque a escola tem o discurso da igualdade, mas nem sempre respeita as diferenças. A igualdade tão almejada só pode ser atingida se mantidas e respeitadas as diferenças. É nesta perspectiva que se pode levantar adiante o desafio e a responsabilidade de conduzir o aluno considerando as suas diferenças, valorizando o saber já adquirido, criando um contexto escolar favorável à aprendizagem, e garantindo o domínio da linguagem e das habilidades de leitura e escrita (ibd, nosso grifo).



4.3 Letramento para a Leitura: Conceito e Perspectivas Pedagógico-didácticas

4.3.1 O que é ler?

As definições para este acto têm sido alvo de muitas discussões, perspectivas e teorias que se alteram ao longo dos anos segundo as realidades e as necessidades sociais e pessoais do indivíduo (Marcelino, 2008). De acordo com este autor, as transformações registadas na sociedade, ao longo das últimas décadas, o rápido avanço científico e tecnológico, os desafios profissionais, a necessidade de uma actualização constante em áreas onde os conhecimentos se ampliam e se multiplicam diariamente, tudo isto leva a alterações e reformulações inerentes ao conceito de leitura, quer por parte de teóricos e investigadores quer por parte das entidades políticas. Perante um vasto conjunto de novas realidades, as definições de leitura têm sofrido algumas alterações e estas não devem considerar-se independentemente da função que a leitura actualmente exerce, quer a nível individual, quer a nível social (ibd). O letramento de alunos com NEE com enorme déficit das competências básicas das leituras, que concluem o ensino primário sem, por exemplo, conseguir localizar informações explícitas em textos ou simplesmente ler uma determinada palavra, e, por consequência, com dificuldade de ‘ler o mundo’ e se inserir na sociedade, constitui uma dimensão actual do problema que, de certa forma, contribui para as metamorfoses contínuas da conceptualização da leitura. Vale lembrar que “enquanto no passado, ler, escrever e contar eram tanto aquisições essenciais como instrumentos de acção, hoje a situação é diferente e estas aquisições têm de ser perspectivadas como meio de formação geral de cada indivíduo, independentemente da sua condição social e de saúde (deficiência).” (Viana e Teixeira, 2002: 9; o itálico é nosso).


Nesta busca de uma definição do termo leitura, alguns teóricos encaram o acto como natural (Smith, 2004) e outros como uma actividade que, indubitavelmente, resulta de uma aprendizagem (Sim-Sim, et. al., 1997).


Smith (2004), na sua célebre obra ‘Understanding Reading’ defende a ideia de que a leitura é a actividade mais natural do mundo, porque lemos a temperatura, o estado da maré, sentimentos e intenções das pessoas, mente, linguagem corporal, etc. Para este autor, o significado original da palavra ‘leitura’ era ‘interpretação’ de tudo quanto a natureza proporciona ao mundo, sendo que vimos lendo, interpretando experiências constantemente desde o nascimento até ao momento. Este autor acrescenta, ainda, que a leitura empregada para referir a interpretação de um pedaço de escrita é apenas um especial uso do termo, designado por ‘fazer sentido’ (making sense). Este domínio particular da leitura é fundamental na compreensão do material escrito, uma vez que “toda a leitura da escrita é interpretação, ou seja, é fazer sentido do escrito” (ibd, p. 3). “A leitura é sempre produção de sentido; é dar um sentido de conjunto, uma globalização e uma articulação aos sentidos produzidos pelas sequências” (Goulemot, 2011, p.107-108). No entanto, este autor fala de leituras letradas, as que, na nossa percepção, requerem uma instrução, o que pressupõe a existência de leituras não letradas, as leituras do mundo, as que Smith (2004) faz referência.

Já para Sim-Sim, et. al. (1997, p. 27), por leitura entende-se o processo interactivo entre o leitor e o texto, através do qual o primeiro reconstrói o significado do segundo[16], ou, simplesmente, é a extracção do significado de cadeias gráficas. No entanto, Smith (2004) rebate esta definição, afirmando que essas declarações imponentes não fornecem nenhuma visão sobre a leitura, e podem levar a debates infrutíferos, uma vez que uma definição não justifica que o seu autor use uma palavra comum de forma diferente das demais pessoais. Para este autor,


“o que dá a uma palavra uma interpretação não ambígua não são as convenções nem decretos, mas o particular contexto em que é usado, daí que prefere descrever como uma palavra é usada ao invés de defini-la, dado que a leitura depende das especificações do leitor sobre o texto” (Smith, 2004, p. 179).


De acordo com Sim-Sim et. al. (1997), os objectivos fundamentais da leitura são a extracção do significado e a consequente apropriação da informação veiculada pela escrita, dependendo do nível de compreensão atingido do conhecimento prévio que o leitor tem sobre o assunto e do tipo de texto em presença. Ao contrário de Smith (2004), estes autores defendem que


[…] a leitura não é nem uma actividade natural, nem de aquisição espontânea e universal. O seu domínio exige um ensino directo que não se esgota na aprendizagem, ainda que imprescindível, da tradução letra-som, mas que se prolonga e aprofunda ao longo da vida do sujeito (Sim-Sim, et.al, p. 27).


Este é o posicionamento defendido por Bresson (2011, p. 26), quando afirma que a leitura (e escrita) não podem ser objectos de um procedimento espontâneo de aquisição: tratam-se, necessariamente, de práticas sociais instruídas em que o simples contacto com os escritos e a observação das leituras, silenciosas ou não, não são suficientes para transmitir. Para este autor, a linguagem oral é a única forma da língua que é "natural", no sentido de que a sua utilização na produção do discurso não requer nenhum procedimento de instrução ou educação. Lopes, et. al., (2014, p. 11) corroboram argumentando que ler não constitui um acto natural, mas sim um acto social e uma competência complexa que resulta da integração de diversas outras competências. Este importantíssimo acto social, segundo estes autores, resulta, por conseguinte, para a esmagadora maioria das pessoas, de outro acto social de não menos importância e significado: o ensino.


Esta discussão, opondo as perspectivas naturalista e instrucional da leitura é esclarecida por Freire e Macedo (2005) quando afirmam que:


Reading does not consist merely of decoding the written word or language; rather, it is preceded by and intertwined with knowledge of the world. Language and reality are dynamically interconnected. The understanding attained by critical reading of a text implies perceiving the relationship between text and context (p. 20).


Estes autores apontam a complementaridade das duas linhas de pensamento sobre o acto de ler, demonstrando a precedência e interdependência da leitura do mundo – acto natural – em relação à leitura da palavra ou texto – acto resultante da instrução –, quando afirmam que “Reading the world always precedes reading the word, and reading the word implies continually reading the world” (ibd, p. 23). Os autores argumentam, ainda, que o movimento da palavra para o mundo está sempre presente, e mesmo a palavra falada flui da nossa leitura do mundo, sendo que este movimento dinâmico é central para o processo de letramento (op. cit.).



4.3.2 Letramento para superar as dificuldades de aprendizagem da leitura

Encarando o acto de ler como natural e menos complexo, do que por exemplo ler expressões, Smith (2004) questiona como algumas pessoas têm muitos problemas na aprendizagem da leitura. De acordo com este estudioso, a aprendizagem de qualquer escrita ideográfica nunca foi um processo traumático ou particularmente complicado. A ausência de compreensão não é a falta de habilidades, muito menos o fim do processo, como sempre se supôs no ensino de alunos com NEE. É sim, um estado no qual normalmente se dá o nome de Confusão (Smith, 2004, p. 8). Este autor alerta para a tendência de se considerar confusão como uma desorganização caótica de certas estruturas do cérebro, enquanto não se trata disso. Trata-se simplesmente de um estado que é o oposto ao da compreensão e não é um estado natural, uma vez que todo o ser humano luta para naturalmente estar num estado contínuo de aprendizagem e compreensão, assim como luta continuamente para respirar (ibd). Desta feita, Smith (op cit) afirma que, as crianças geralmente não ficam confusas pela linguagem escrita até que alguém tente ensiná-las sobre como ler. O argumento avançado por Smith (2004) é o de que quando as pessoas ajudam as crianças a ler, lendo para elas ou com elas, raramente há confusão e, por conseguinte, não é na leitura que muitas crianças encaram dificuldades, mas no ensino.

Fica evidente, no argumento acima, uma abordagem que privilegia o letramento social para o desenvolvimento natural da leitura. Nesta perspectiva, Kleiman (1995) aponta que a exposição da criança à frequentes leituras de livros a leva a desenvolver-se como leitora já no período pré-escolar o que contribui para uma maior facilidade em acompanhar o ensino proposto pela escola, resultando em maior sucesso. Esta autora aponta quatro conclusões de estudos que julgamos importantes para estabelecer uma relação com o posicionamento de Smith (2004) sobre os benefícios da exposição da criança à leitura ou a letramentos (cf. Kleiman, 1995, p. 93-94):


a. Durkeim (1996) concluiu que as crianças que conseguiam ler, na pré-escola, tinham tido, nos anos anteriores, uma rica participação em eventos de letramento, proporcionada pelos pais, principalmente na leitura de livros infantis e trabalhos com sons das letras;

b. Doake (1982) concluiu que o factor proeminente que mais parece contribuir para o desenvolvimento acelerado da leitura das crianças era o facto de elas serem oriundas de famílias preocupadas com a escrita e de terem sido expostas, de maneira intensiva, à leitura de estórias desde muito cedo;

c. Clark (1976) concluiu que os benefícios de um ambiente familiar rico em eventos de letramento resultam em maior sucesso no desenvolvimento inicial da leitura e, consequentemente, maior sucesso nas primeiras séries escolares;

d. Sulzby (1976) concluiu que ouvir e discutir textos com adultos letrados pode ajudar a criança a estabelecer conexões entre a linguagem oral e as estruturas do texto escrito, e facilitar o processo de aprendizagem da descodificação da palavra escrita e a sumarizar a história e fazer inferências.


Estes estudos realçam a importância e os benefícios da exposição para o desenvolvimento da leitura. Entretanto, ao contrário de Smith (2004), estes defendem estas acções como um estágio preparatório para a aprendizagem no contexto escolar. Por outro lado, todas as abordagens referenciadas sugerem um contexto de uma sociedade letrada cuja língua materna é meio de instrução na escola. Diferentemente do contexto moçambicano onde a maioria das comunidades são, originalmente, iletradas, com fraco hábito de leitura e com eventos de letramento (ex.: estórias à volta da fogueira) feitos numa língua materna que, na maioria dos casos, não é língua de instrução ‒ apesar de o MINEDH ter já introduzido, em algumas escolas, o ensino Bilingue (língua portuguesa/uma língua bantu) ‒, o que pressupõe uma descontinuidade entre a casa e a escola e um desafio para o E-A da leitura.


No entanto, Smith (2004, p. 4) aponta duas razões sobre as quais as pessoas encaram dificuldades na leitura: a primeira razão é a possibilidade de que as pessoas são confrontadas com a leitura quando ainda não é o melhor momento para elas aprenderem […] e a segunda razão é que as pessoas foram submetidas a confusão, ao invés de serem ajudadas, i. e., elas foram mutiladas. Para este autor, aprender a ler não é necessariamente um problema em qualquer idade – a não ser que tenha havido anos de confusão na leitura e reprovações no passado: no lugar de tomar a leitura como um problema de fazer sentido ao texto, olham em quão bem a criança pode pôr sons às palavras isoladas, e mesmo em sequências insignificantes de letras para confirmar que usam o código alfabético. Este é, segundo o autor, um método pobre de ensinar a leitura, equiparado a desenhar os pés de uma criança juntos, para provar que devem saltar antes de aprender a caminhar – sons associados a letras são amplamente irrelevantes e frequentemente enganadores a leitores e escreventes (Smith, 2004, p. 257). Este autor defende que a melhor forma de aprender a leitura é pelo contexto, uma vez que “o contexto tem o seu efeito porque contribui em informação que reduz a incerteza de uma palavra singular” (ibd. p. 259). Para sustentar o seu posicionamento, este autor recorre a Golinko (1975/1976) e Doehring (1976) para afirmar que “o uso do contexto e a habilidade de leitura aumentam simultaneamente e esta correlação é igualmente atribuída ao facto de melhores leitores poderem fazer mais o uso do contexto” (cf.: Smith, 2004, p. 291).



4.3.4 Para onde vamos?

De acordo com Sim-Sim, et. al. (1995), o percurso da aprendizagem da leitura deve ter como meta primordial a fluência ‒ “a capacidade de ler com precisão, sem esforço e com razoável velocidade, um texto apropriado à idade” (Lopes, et. al. 2014, p. 18) ‒, que implica rapidez de decifração, precisão e eficiência na extracção do significado do material lido. A fluência de leitura exige que o leitor descodifique automaticamente, de tal modo que possa canalizar a capacidade de atenção para a compreensão do texto, sendo que a consequência pedagógica decorrente é a necessidade de treino sistematizado de técnicas de automatização que permitam ultrapassar o processo moroso de tradução letra-som, conduzindo ao imediato reconhecimento visual de palavras e possibilitando o rápido acesso à compreensão do texto. Neste contexto, a velocidade e profundidade de compreensão são os dois grandes pilares que suportam a eficácia desta competência, que se traduz em fluência (ibd). Para Smith (2004, p. 182), a base de uma leitura fluente é a habilidade de encontrar respostas na informação visual da linguagem escrita para a questão particular que está sendo efectuada, dado que a leitura deve ser rápida (veloz), selectiva e depende do conhecimento prévio do leitor.


No concernente à tradução letra-som, Bresson (2011, p. 30) esclarece afirmando que quando compreendemos as palavras ou as articulamos, nós nos atemos [sic] aos sons que as conduzem apenas em situações particulares, como, por exemplo, em poesia. De outra maneira, temos a impressão de tratar-se apenas de sentido, mesmo se, de facto, foi a partir dos sons que esse sentido foi estabelecido, através de uma sequência complexa de processos mentais. Segundo Sim-Sim et. al. (1997) é através de tais processos que a mente constrói e manipula símbolos e, portanto, acede a sistemas simbólicos cujo nível de complexidade é patente em qualquer língua natural, e possibilitam as três grandes capacidades: reconhecimento, produção e elaboração[17], que se traduzem, respectivamente, na atribuição de significado a cadeias fónicas ou gráficas, na produção de cadeias fónicas ou gráficas dotadas de significado e na consciencialização e sistematização do conhecimento intuitivo da língua. Estas capacidades decorrem dos processos mentais implicados numa cadeia dinâmica de tratamento da informação, que opera desde a recepção do input sensorial à sua transformação em material simbólico (i.e., em representações) e ao armazenamento, à conservação e à posterior recuperação (memória) de tais representações, essencial à organização e produção de respostas (output) (ibd).


No entanto, Sim-Sim et. al. (1997) afirmam que a eficácia de qualquer das três capacidades em questão depende do funcionamento dos processos mentais e, muito em particular, do conhecimento já disponível em memória ‒ o reconhecimento implica a identificação da informação de entrada (input) com o material (itens, categorias, relações e regras) armazenado; a produção é a construção do output, tendo como base a informação registada na memória; e a elaboração consiste no tratamento, como objecto de análise e estudo, de material acessível através da memória. Portanto, “nosso saber apoia-se sobre unidades combinatórias que são ao mesmo tempo som e sentido – falar ou compreender é actualizar o conhecimento das palavras, ao mesmo tempo som e sentido; em certos casos, apenas som, quando saber o ‘que isso quer dizer’” (Bresson, 2011, p. 32). Este autor, avança que essa dupla face de signos na fala pode encontrar-se dissociada em decorrência de certas lesões cerebrais. Isto significa que perante pessoas com NEE com alguns distúrbios ou desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso das competências da leitura esses processos seriam afectados, podendo se observar dois tipos de pessoas (a que Bresson designa de doentes): aqueles que quando lhes é pedido para ler, podem produzir uma palavra por outra, se a palavra pronunciada estiver ligada à palavra escrita pelo sentido, e não pelo som – o que se chama dislexia profunda, cujos portadores têm uma enorme dificuldade para ler as palavras funcionais e as pseudopalavras desprovidas de sentido. E outros, para os quais se fala em dislexia superficial, que apresentam uma perturbação contrária: lêem foneticamente, pronunciando todas as letras, mas confundem, por exemplo casos de ‘vê lá’ e vê-la (ibd). Mas Smith (2004) rebate esta ideia, afirmando o seguinte:


References to mythical brain disabilities (diagnosed circularly in relation to perceived reading difficulties) explain nothing. Such phantasms are conjured up in the absence of understanding or coherent theory. And even if there were rare brain malfunctions that make it difficult for a few children and adults to read, that doesn't mean that such individuals should be subjected to regimes of unnatural treatment. Such individuals must still be helped to make sense of print ‒ but it will take more time and patience. Calling them disabled is hardly likely to help (Smith, 2004, p. 5).


Esta é, na verdade, a ideia central que fundamenta a inclusão ‒ a educação de pessoas com NEE em turmas regulares conforme propõe o relatório de Warnock (cf. WR, 1978, p. 102). No entanto, este relatório sublinha que este objectivo seria possível alcançar no caso em que a maioria das crianças tenha dificuldades de aprendizagem (da leitura) leve, mas outros precisariam de uma provisão adicional que uma turma normal não oferece – o que inclui aqueles que precisariam de uma forma modificada ou suplementar do curriculum ou técnicas especializadas de ensino (WR, 1978, p. 102).


O relatório de Warnock, apesar de reconhecer a importância de um ensino de pessoas com NEE em turmas normais, como aponta Smith (2004), evidencia que é imperioso que o professor leve em consideração a deficiência do aluno e o seu nível de dificuldade para melhor administrar a melhor provisão necessária para a aprendizagem da leitura com sucesso, daí que sugere quatro tipos de provisão do ensino de pessoas com NEE em escolas regulares (inclusivas): i. educação a tempo inteiro em turmas normais com qualquer meio e suporte; ii. educação em turmas normais com períodos de retirada para uma turma ou unidade especial; iii. educação em turmas ou unidades especiais com períodos de frequência em turmas normais e envolvimento em actividades extra-curriculares e envolvimento total na vida da comunidade da escola normal; e, iv. educação a tempo inteiro em turmas especiais com contacto com a escola principal (escola regular) (WR, 1978, p. 102 – 105).



Considerações finais: Alguns desafios para o contexto Moçambicano

Ler é compreender, pelo que é fundamental investir nas condições que influenciam o grau de compreensão da leitura, salientando a necessidade da sua promoção na planificação educativa, já que a capacidade de compreender um texto e a possibilidade de ensinar a fazer passaram a ser considerados os pontos-chave da leitura e do seu ensino (Marcelino, 2008). Assim, como argumentam Sim-Sim et. al. (1997), na perspectiva da educação básica, é função da escola fazer de cada aluno um leitor fluente e crítico, capaz de usar a leitura para obter informação, organizar o conhecimento e usufruir o prazer recreativo que a mesma pode proporcionar. Se nos primeiros anos de escolaridade uma atenção particular é devida aos processos de descodificação e automatização, há que desenvolver nos anos subsequentes técnicas de consulta e estratégias de estudo, proporcionando ao longo de todo o percurso escolar, situações que fomentem o gosto pela leitura e que sedimentem os hábitos que caracterizam os leitores fluentes (ibd).


Novas abordagens para uma educação inclusiva configuram-se pertinentes para que o PEA da leitura de alunos com NEE se efectua com o sucesso desejado. Eventos de letramento que conduzem à exposição à leitura para o melhoramento dos níveis de fluência da leitura a alunos com NEE devem integrar a política inclusiva adoptada por Moçambique, mesmo porque no âmbito da implementação da estratégia de intervenção para educação, o MEC (MEC-DEE, 2004, p. 19) projectou que se deve ter em conta, neste processo, os recursos, apoios e ajudas que cada indivíduo precisa para alcançar o seu máximo de desenvolvimento, bem como a formação de professores e especialistas, mudanças na organização escolar, horários, regime do dia, diferentes agrupamentos, novas ofertas educativas, adaptações de acesso e curriculares.


Neste contexto, vale a pena voltar à krashen (1989, p. 89), quando sugere que a competência em aspectos de literacia – compreensão da leitura, construção do vocabulário, melhoramento do estilo da leitura e o desenvolvimento da competência gramatical –, podem ser elevados através da leitura prazerosa, de interesse próprio com foco no significado, ou seja, à exposição à leitura em diferentes formas i. programa de leitura silenciosa sustentável (10-30 minutos de leitura livre); ii. programa de selecção individual de leitura (um período de leitura livre que inclui um pequeno debate entre o professor e o estudante, pelo menos uma vez por semana; e, iii. vivendo em ambiente de livros, disponibilidade de livros, que, na nossa óptica, inclui criação e apetrechamento de bibliotecas, orientadas por mediadores de leitura. Outras formas, paralelas, seriam a dinamização séria de feiras de leitura, clubes do livro, tertúlias, saraus de leitura, reconto de histórias, desenho e pintura de histórias lidas ou ouvidas, dramatização de histórias, etc., conforme já prevê o PNALE, mas a sua eficácia é ainda desconhecida.



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[1] A UNESCO (2015) destaca a leitura e escrita como pilares de sociedades livres e tolerantes, apelando o “redobrar dos esforços para promover o livro (…), junto com todas as formas de leitura e escrita, a fim de combater o analfabetismo e a pobreza”. A leitura e a escrita, além de desempenharem um papel fundamental na aprendizagem de todos os conteúdos do currículo, podem permitir alcançar outros objectivos, como por exemplo alargar a cultura geral através do acesso a outros níveis do saber e à informação (jornais, revistas, etc.); abrir novas hipóteses para o desenvolvimento das capacidades de expressão oral e escrita – competência linguística e comunicativa; e, enriquecer o vocabulário (c.f. MINEDH, 2017; Arana e Klebis, 2015; grifo meu). [2] http://www.verdade.co.mz/nacional/36527-mined-reconhece-que-o-curriculo-do-ensino-primario-embrutece-as-criancas, 2013. [3] Linguista e Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua Portuguesa (FBLP) - Discurso proferido por ocasião da abertura da Feira Provincial do Livro e de Leitura de Inhambane, Maxixe - 31/Agosto/2017. [4] Em Moçambique, o português encontra-se em contacto com as línguas do grupo bantu, algumas de origem asiática, como o Urdu, o Gujarati, o Indi e o Memane, faladas em contextos familiares, e, ainda, a língua de sinais. O Inglês e o francês têm lugar de destaque na vida pública do país e são aprendidas nas escolas como disciplinas (Menezes, 2016, p. 56). [5] De acordo com a classificação estabelecida por Robinson (1993:52-3). Para este autor, a elevada diversidade linguística observa-se numa situação em que “[…] uma percentagem não superior a 50% da população fala a mesma língua”. Moçambique, onde o Emakhuwa representa 25% da população total, situa-se sensivelmente a meio da tabela dos países com a diversidade linguística mais elevada em África, podendo, assim, ser definido como um país de elevada diversidade linguística média (vide Lopes, s/d, p. 210; Mabasso, 2010, p.1). [6] Selinker (1972) é sucessivamente citado por Ellis (1999); Lopes (s/d, p. 202) e Littlewood (2006, p. 515), Gass & Selinker (2008, p. 123). [7] Citados por Hornby (2014). [8] The medical perspective classifies disability entirely within the person with a disability, removed from any external factors. Under this socially conservative perspective, problems due to disability are considered to reside in the individual independently of social context, identifying the individual with the disability as a biological problem. The goal for disability, then, is to find medical cures to eliminate disability. […]. In sharp contrast to the medical perspective, the social perspective views disability more as a result of external factors imposed upon a person than the biological functions of a person. Beliefs and functions that marginalize and disempower persons with disabilities can then be seen as impediments to living to the fullest of their abilities (Jeaeger & Bowman, 2005, p. 14 – 15; Ainscow, 2009, p. 13). [9] (…) the majority of children who are likely to require special educational provision in the wider sense that we are advocating will be in ordinary primary and secondary schools, which are not approved as providing a particular kind or kinds of education (Warnock Report, 1978, p. 47). [10] Para Soares (2009, p. 35) há uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado. Ou seja, a pessoa aprende a ler e a escrever - torna-se alfabetizada - e passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - tornando-se letrada. [11] Terra (2013) afirma que a característica multifacetada e intrincada do conceito de letramento pode ser identificada, ainda, pela variedade dos tipos de estudos que se enquadram nesse domínio. A autora faz referência a Kleiman (1995/2001), para esclarecer que se o objecto de estudos de um trabalho sobre letramento tem como finalidade identificar a capacidade que têm sujeitos alfabetizados versus sujeitos analfabetos de reflectir sobre a própria linguagem (por exemplo, falar de palavras, sílabas e assim sucessivamente), decorre que, para esse pesquisador, ser letrado significa ter desenvolvido e usar uma capacidade metalinguística em relação à própria linguagem. [12] Os Novos Estudos do Letramento (The New Literacy Studies - NLS) é um movimento que surgiu a partir dos anos 1980 e se consolidou nos anos 1990 como reacção a dois factores que eram motivos de sérios questionamentos de estudiosos na época: (i) a predominância da visão tradicional e psicolinguística de linguagem, enquanto conhecimento estrito do código linguístico e como capacidade psicológica individual; e (ii) os pressupostos de estudos das três décadas anteriores, em que se examinavam as relações 'oralidade x escrita' como dicotómicas, atribuindo-se à escrita valores cognitivos intrínsecos com predomínio do sentido de supremacia cognitiva da escrita em detrimento à oralidade, dentro do que Street (1984) denominou de "paradigma da autonomia" (Terra, 2013). Os Novos Estudos do Letramento compõem um recente campo de pesquisa que Representa uma nova visão da natureza do letramento que escolhe deslocar o foco dado à aquisição de habilidades, como é feito pelas abordagens tradicionais, para se concentrar no sentido de pensar o letramento como uma prática social. Isso implica o reconhecimento de múltiplos letramentos, variando no tempo e no espaço, e as relações de poder que configuram tais práticas. Os NLS, portanto, não tomam nada como definitivo no que diz respeito ao letramento e às práticas sociais a ele relacionadas, preferindo, ao contrário, problematizar o que conta como letramento em um espaço e tempo específicos e questionar quais letramentos são dominantes e quais são marginalizados ou resistentes (Street, 2001. p. 1). [13] O itálico é nosso. [14] El abordaje del diagnóstico psicopedagógico, desde la formación inicial de los profesionales de la educación, contribuye a garantizar una atención educativa diferenciada e inclusiva en el contexto escolar, familiar y comunitario, que se basa en la flexibilización del currículo mediante la promoción de una institución educativa cada vez más contextualizada y el fortalecimiento de la preparación de los docentes para asegurar una atención diferenciada a los educandos y sus familias. Se basa en el estudio de todas las características psicológicas y educativas de un alumno con el objetivo de fomentar su aprendizaje lo máximo posible. (Fernandez Silva, et. al., 2019). [15] Consideramos pertinente trazer duas abordagens sobre as instituições: a de Scott (1995), apresentada por Frederickson & Smith (2003, p. 75), que define instituições como estruturas e actividades cognitivas, normativas e regulatórias que garantem estabilidade e significado ao comportamento social, e a de North (1990), em North et al. (2009, p. 15), que entende que as instituições são as regras do jogo “(Rulers of the game)”, os padrões de interacção que governam e sancionam os indivíduos. As instituições incluem regras formais, leis escritas, convenções sociais formais, normas informais de comportamento, partilha de crenças sobre o mundo bem como os meios do enforcement – traduções livres. [16] Varga (1970) esclarece que, qualquer texto (ou obra) é composta por indeterminações, espaços em branco que são preenchidos pelo leitor. Isto é, […] o leitor completa a obra através da evocação das suas leituras anteriores e/ou mundividência. No acto de leitura, ele vai construindo o texto, preenchendo as lacunas deixadas pelo escritor. Daí que “ ler é, portanto, construir e não reconstruir um sentido/é fazer emergir a biblioteca vivida. i.e., a memória de leituras anteriores e de dados culturais” (Goulemot, 2011). As significações dos textos, quaisquer que sejam, são constituídas, diferentemente, pelas leituras que se apoderam deles (Chartier, 2011, p. 78). [17] O reconhecimento consiste na atribuição de significado a cadeias fónicas ou gráficas e implica a identificação do input fónico ou gráfico com material existente no conhecimento da língua (itens lexicais, categorias sintácticas, regras fonológicas, entre outras). A produção consiste na elocução de cadeias fónicas ou na realização de cadeias gráficas dotadas de significado, o que supõe o acesso a informação disponível no conhecimento da língua. E, finalmente, a elaboração permite a consciencialização e sistematização do conhecimento da língua, o que possibilita que este se constitua em objecto de análise para o próprio falante (Sim-Sim, et. al., 1997, p. 24).

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