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Guilherme Mansur traduz a "Oda a la tipografia" de Pablo Neruda

Atualizado: 10 de nov. de 2021


ODE À TIPOGRAFIA

Tradução: Guilherme Mansur


Letras largas, severas,

verticais,

feitas

de linha

pura,

erguidas

como o mastro

do navio

no meio

da página

cheia

de confusão e turbulência,

Bodonis

algébricos,

letras

cabais,

finas

como lebréis,

submetidas

ao retângulo branco

da geometria,

vogais

elzevires

cunhadas

no miúdo aço

do ateliê junto à água,

em Flandres, no norte

dos canais,

sinais

da âncora,

caracteres de Aldus,

sólidos como

a estatura

marinha

de Veneza

em cujas águas-mães,

como vela

inclinada,

navega a cursiva

curvando o alfabeto:

o ar

dos descobridores

oceânicos

vergou

para sempre o perfil da escritura.


Das

mãos medievais

avançaram até teus olhos

este

N

este 8

duplo

este

J

este

R

de rei e de rocio.

Ali

se lavraram

como se fossem

dentes, unhas,

martelos metálicos

do idioma.

Golpearam cada letra,

erigiram-na,

pequena estátua negra

na brancura,

pétala

o pé estrelado

do pensamento que tomava forma

de caudaloso rio

e que no mar dos povos navegava

com todo

o alfabeto

iluminando

a desembocadura.

O coração, os olhos

dos homens

se encheram de letras,

de mensagens,

de palavras,

e o vento passageiro

ou permanente

levantou livros

loucos

ou sagrados.

Debaixo

das novas pirâmides escritas

a letra

estava viva,

o alfabeto ardendo,

as vogais,

as consoantes como

flores curvas.

Os olhos

do papel, que olharam

para os homens

buscando

seus presentes,

sua história, seus amores,

estendendo

o tesouro

acumulado,

espalhando de repente

a lentidão da sabedoria

sobre a mesa

como um baralho,

todo

o húmus

secreto

dos séculos,

o canto, a memória,

a revolta,

a parábola cega,

de repente

foram

fecundidade,

celeiro,

letras,

letras

que caminharam

e se acenderam,

letras

que navegaram

e venceram,

letras

que despertaram

e subiram,

letras

que libertaram,

letras

em forma de pomba

que voaram,

letras

vermelhas sobre a neve,

pontuações,

caminhos,

edifícios

de letras

e Villon e Berceo,

trovadores

da memória

apenas

escrita sobre o couro

como sobre o tambor

da batalha,

chegaram

à espaçosa barca

dos livros,

à tipografía

navegante.


Mas

a letra

não foi só beleza,

mas vida,

foi paz para o soldado,

dentro das solidões

da mina

e o mineiro

leu

o panfleto duro

e clandestino,

escondeu-o nas dobras

do secreto

coração

e acima,

sobre a terra,

foi outro

e outra

foi sua palavra.

A letra

foi a mãe

das novas bandeiras,

as letras

procriaram

as estrelas

terrestres

e o canto, o hino ardente

que reúne

os povos,

de

uma

letra

agregada

a outra

letra

e a outra,

de povoado a povoado

foi sobrelevando

sua autoridade sonora

e cresceu na garganta dos homens

até impor a claridade do canto.


Mas,

tipografía,

deixa-me

celebrar-te

na pureza

de teus

puros perfis,

na redoma

da letra

O,

no fresco

vaso

do

Y

grego,

no

Q

de Quevedo

(como poderia passar

minha poesia

em frente a essa letra

sem sentir o antigo calafrio

do sábio moribundo?),

à açucena

multi

multiplicada

do

V

de vitória,

no

E

escalonado

para subir ao céu,

no

Z

com seu rosto de raio,

no

P

alaranjado.


Amor,

amo

as letras

de teu cabelo,

o

U

de teu olhar,

os

S

de tuas curvas.

Nas folhas

da jovem primavera

reluze o alfabeto

diamantino,

as esmeraldas

escrevem teu nome

com iniciais frescas do orvalho.

Meu amor,

tua cabeleira

profunda

como selva ou dicionário

me cobre

com sua totalidade

de idioma

vermelho.

Em tudo,

na esteira

do verme

se lê,

na rosa se lê,

as raízes

estão cheias de letras

retorcidas

pela umidade do bosque

e no céu

de Isla Negra, à noite,

leio,

leio

no firmamento frio

da costa,

intenso,

diáfano de formosura,

desdobrado,

com estrelas capitais

e minúsculas

e exclamações

de diamante gelado,

leio, leio

na noite do Chile

austral, perdido

nas celestes solidões

do céu,

como num livro

leio

todas

as aventuras

e na erva

leio,

leio

a verde, a arenosa

tipografia

da terra agreste,

leio

os navios, os rostos

e as mãos,

leio

em teu coração

onde

vivem

entrelaçados

a inicial

provinciana

de teu nome

e

o arrecife

de meus sobrenomes.

Leio

tua fronte,

leio

tua cabeleira

e no jasmim

as letras

escondidas

elevam

a incessante

primavera

até que eu decifre

a enterrada

pontuação

da papoula

e a letra

escarlate

do estio:

são as exatas flores do meu canto.


Mas,

quando

desdobra

seus rosais

a escritura,

a letra

sua essencial

jardineira,

quando lês

as velhas e as novas

palavras, as verdades

e as explorações,

te peço

um pensamento

para aquele que as ordena

e as levanta,

para aquele que ampara

o tipo,

para o linotipista

com sua lâmpada

como um piloto

sobre

as ondas da linguagem

ordenando

os ventos e a espuma,

a sombra e as estrelas

no livro:

o homem

e o aço

uma vez mais reunidos

contra as asas noturnas

do mistério,

navegando,

perfurando,

compondo.


Tipografia,

sou

só um poeta

e és

o florido

jogo da razão,

o movimento

dos bispos-do-xadrez

da inteligência.

Não descansas

nas noites

nem de inverno,

circulas

nas veias

de nossa

anatomia

e se dormes

voando

durante

alguma noite ou greve

ou fadiga ou ruptura

de linotipia

voltas de novo ao livro

ou ao periódico

como nuvem

de pássaros ao ninho.

Regressas

ao sistema,

à ordem

inapelável

da inteligência.


Letras

continuais caindo

como chuva precisa

em meu caminho.

Letras de tudo

o que vive

e morre,

letras de luz, de lua,

de silêncio,

de água,

amo-vos,

e em vós

recolho

não só o pensamento

e o combate,

mas também vossos vestidos,

sentidos

e sons:

A

de gloriosa aveia,

T

de trigo e de torre

e

M

como teu nome

de maçã.



ODA A LA TIPOGRAFÍA

Pablo Neruda


Letras largas, severas,

verticales,

hechas

de línea

pura,

erguidas

como el mástil

del navío

en medio

de la página

llena

de confusión y turbulencia,

Bodonis

algebraicos,

letras

cabales,

finas

como lebreles,

sometidas

al rectángulo blanco

de la geometría,

vocales

elzeviras

acuñadas

en el menudo acero

del taller junto al agua,

en Flandes, en el norte

acanalado,

cifras

del ancla,

caracteres de Aldus,

firmes como

la estatura

marina

de Venecia

en cuyas aguas madres,

como vela

inclinada,

navega la cursiva

curvando el alfabeto:

el aire

de los descubridores

oceánicos

agachó

para siempre el perfil de la escritura.


Desde

las manos medioevales

avanzó hasta tus ojos

esta

N

este 8

doble

esta

J

esta

R

de rey y de rocío.

Allí

se trabajaron

como si fueran

dientes, uñas,

metálicos martillos

del idioma.

Golpearon cada letra,

la erigieron,

pequeña estatua negra

en la blancura,

pétalo

o pie estrellado

del pensamiento que tomaba forma

del caudaloso río

y que al mar de los pueblos navegaba

con todo

el alfabeto

iluminando

la desembocadura.

El corazón, los ojos

de los hombres

se llenaron de letras,

de mensajes,

de palabras,

y el viento pasajero

o permanente

levantó libros

locos

o sagrados.

Debajo

de las nuevas pirámides escritas

la letra

estaba viva,

el alfabeto ardiendo,

las vocales,

las consonantes como

flores curvas.

Los ojos

del papel, los que miraron

a los hombres

buscando

sus regalos,

su historia, sus amores,

extendiendo

el tesoro

acumulado,

esparciendo de pronto

la lentitud de la sabiduría

sobre la mesa

como una baraja,

todo

el humus

secreto

de los siglos,

el canto, la memoria,

la revuelta,

la parábola ciega,

de pronto

fueron

fecundidad,

granero,

letras,

letras

que caminaron

y encendieron,

letras

que navegaron

y vencieron,

letras

que despertaron

y subieron,

letras

que libertaron,

letras

en forma de paloma

que volaron,

letras

rojas sobre la nieve,

puntuaciones,

caminos,

edificios

de letras

y Villon y Berceo,

trovadores

de la memoria

apenas

escrita sobre el cuero

como sobre el tambor

de la batalla,

llegaron

a la espaciosa nave

de los libros,

a la tipografía

navegante.


Pero

la letra

no fue sólo belleza,

sino vida,

fue paz para el soldado,

bajo a las soledades

de la mina

y el minero

leyó

el volante duro

y clandestino,

lo ocultó en los repliegues

del secreto

corazón

y arriba,

sobre la tierra,

fue otro

y otra

fue su palabra.

La letra

fue la madre

de las nuevas banderas,

las letras

procrearon

las estrellas

terrestres

y el canto, el himno ardiente

que reúne

a los pueblos,

de

una

letra

agregada

a otra

letra

y a otra,

del pueblo a pueblo

fue sobrellevando

su autoridad sonora

y creció en la garganta de los hombres

hasta imponer la claridad del canto.


Pero,

tipografía,

déjame

celebrarte

en la pureza

de tus

puros perfiles,

en la redoma

de la letra

O,

en el fresco

florero

de la

Y

griega,

en la

Q

de Quevedo

(cómo puede pasar

mí poesía

frente a esa letra

sin sentir el antiguo escalofrío

del sabio moribundo?),

a la azucena

multi

multiplicada

de la

V

de victoria,

en la

E

escalonada

para subir al cielo,

en la

Z

con su rostro de rayo,

en la

P

anaranjada.


Amor,

amo

las letras

de tu pelo,

la

U

de tu mirada,

las

S

de tu talle.

En las hojas

de la joven primavera

relumbra el alfabeto

diamantino,

las esmeraldas

escriben tu nombre

con iniciales frescas del rocío.

Mi amor,

tu cabellera

profunda

como selva o diccionario

me cubre

con su totalidad

de idioma

rojo.

En todo,

en la estela

del gusano

se lee,

en la rosa se lee,

las raíces

están llenas de letras

retorcidas

por la humedad del bosque

y en el cielo

de Isla Negra, en la noche,

leo,

leo

en el firmamento frío

de la costa,

intenso,

diáfano de hermosura,

desplegado,

con estrellas capitales

y minúsculas

y exclamaciones

de diamante helado,

leo, leo

en la noche de Chile

austral, perdido

en las celestes soledades

del cielo,

como en un libro

leo

todas

las aventuras

y en la hierba

leo,

leo

la verde, la arenosa

tipografía

de la tierra agreste,

leo

los navíos, los rostros

y las manos,

leo

en tu corazón

en donde

viven

entrelazados

la inicial

provinciana

de tu nombre

y

el arrecife

de mis apellidos.

Leo

tu frente,

leo

tu cabellera

y en el jazmín

las letras

escondidas

elevan

la incesante

primavera

hasta que yo descifro

la enterrada

puntuación

de la amapola

y la letra

escarlata

del estío:

son las exactas flores de mi canto.


Pero,

cuando

despliega

sus rosales

la escritura,

la letra

su esencial

jardinería,

cuando lees

las viejas y las nuevas

palabras, las verdades

y las exploraciones,

te pido

un pensamiento

para el que las ordena

y las levanta,

para el que para

el tipo,

para el linotipista

con su lámpara

como un piloto

sobre

las olas del lenguaje

ordenando

los vientos y la espuma,

la sombra y las estrellas

en el libro:

el hombre

y el acero

una vez más reunidos

contra el ala nocturna

del misterio,

navegando,

horadando,

componiendo.


Tipografía,

soy

sólo un poeta

y eres

el florido

juego de la razón,

el movimiento

de los alfiles

de la inteligencia.

No descansas

de noche

ni de invierno,

circulas

en las venas

de nuestra

anatomía

y si duermes

volando

durante

alguna noche o huelga

o fatiga o ruptura

de linotipia

bajas de nuevo al libro

o al periódico

como nube

de pájaros al nido.

Regresas

al sistema,

al orden

inapelable

de la inteligencia.


Letras

seguid cayendo

como precisa lluvia

en mi camino.

Letras de todo

lo que vive

y muere,

letras de luz, de luna,

de silencio,

de agua,

os amo,

y en vosotras

recojo

no sólo el pensamiento

y el combate,

sino vuestros vestidos,

sentidos

y sonidos:

A

de gloriosa avena,

T

de trigo y de torre

y

M

como tu nombre

de manzana.



Guilherme Mansur

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