Nicolas Behr, uma das vozes poéticas contemporâneas mais potentes, acaba de lançar seu novo livro: O itinerário do curativo. O volume sai pela Editora paulistana Reformatório. Sphera disponibiliza aqui uma pequena amostra.
A BALADA DO FALSO POETA
minha miséria é meu tesouro
nasci para ser sombra
não tenho face
minha espada acovardou-se
fraca é a minha vontade
a voz do meu algoz é doce
suave é seu abraço
nas certezas, combustível
nas incertezas, chama
tudo que condeno me atrai
tudo que desprezo desejo
tudo que amo destruo
tudo que admiro não quero
tudo que elogio é falso
tudo que assisto é por interesse
tudo que enterro nada cresce
tudo que sei guardo pra mim
tudo que beijo morre
tudo que é oficial subverto
tudo que toco não ressuscita
tudo que gero vira nada
tudo que vi cegou–me
tudo que aplaudo desaprovo
tudo que me lembro muito bem
tudo que não prometo cumpro
tudo que é burocrático aprecio
tudo que leio se desintegra
tudo que encaro recuo
tudo que escrevo nego
FIM
*
sem palavras
estamos desarmados
sem palavras
estamos mudos, extintos
quer mais que palavras?
então te cala
*
depois que você morreu
fiz de novo aquela viagem de fusca
pelas estradas de terra do cafuringa
mas esperei chegar
a estação seca
quando a passagem dos carros
levanta muita poeira
para eu me lembrar
o que você se tornou
SORAYA
uma amiga
vai morrer
escrever um poema
é o mínimo
que posso fazer
e o máximo
*
o que faz
um (bom) poeta?
um pai ausente
e talento
o que faz
um (bom) poeta?
um pai indiferente
e talento
o que faz
um (bom) poeta?
um bom poema
VIDA
se pudéssemos
te agarrar
o que dirias?
me solta
*
morreu
secou
acabou
não tem mais
o fogo da palavra
extinguiu-se
mas a alma do cerrado
queima para sempre
DIAMANTINO KAYABI PALACE
volta pra casa
todo ouro se foi
nenhum diamante ficou
tua infância te esqueceu
nu no quarto do hotel
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