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Foto do escritorRevista Sphera

Três poemas em prosa de André Carneiro Ramos

Charlie Chaplin em cena, um dos ícones do cinema evocados por André Carneiro Ramos. Foto: Internet


Três poemas em prosa


ANDRÉ CARNEIRO RAMOS



ESBOÇO

 

Num horizonte azulejante o Infinito e suas possibilidades assustam este meu ingênuo e pobre olhar cosmopolita / na areia da praia as águas travam batalhas que se anunciam por entre brumas e sóis e espumas / a brisa morna do hemisfério assola e fermenta castelos que num solo de mim mesmo soergui / as perdas ou as pedras escoram o grito lastro e escorrente de nuvens perenes deste corpo antigo, espraiado / não mais obscura sombra este Infinito azulejante em horizontes e suas possibilidades / meu corpo pálido persegue o lastro deste azulejo disforme em esquálidas paisagens / este corpo vislumbrado e nu que é o meu, vermelho agora ou aguoso igualmente, com a pele em póros matizada / revela meus sentidos nesta areia enrugada / ondas renitentes travam / sexuais batalhas por entre minhas pernas e espumas / e sóis que ardem / em meus medos / embates dão vida à brisa morna do hemisfério / que fere a fina flor brotante e oca do meu ser / acaricio agora o solo amargo dos castelos mencionados / e pedras somente se erguem das sombras / com gritos ecoando, escorridos da matéria-lume deste sonho.

 



TROIANO                                             


Ao penetrar oniricamente em teu regaço Recordei-me de meu pacto obsceno contigo Serei escravo em teus domínios Tuas ancas vulcânicas Planícies em pêlo cujo néctar um dia a eternidade sorverá Minh´alma Neste meu corpo já não vibra Apenas flui Sonhando Adormecido herói de outras eras Outras rugas Não são minhas tuas têmporas Não estampam mais tormentos destes tempos Fecho-te os olhos Devoro-te anseios Pleno êxtase em palma minha A estancar teu claro rosto na etérea superfície Não serão meus teus sentimentos? Teus temores? Serão de areia todos eles sincopados? Alucinada a boca tua em minha língua escorre Um grito à noite Em nossas tristes plagas Tuas estrelas Nesse mesmo tempo veloz A língua tua então na pele Devora nua o meu escárnio E nossos mundos desmoronam E se desarmam O meu especialmente A pó A sangue Reduzido a esmo e me luzindo Vagas ondas me cobrindo de sôfrego desejo Encanto-te mesmo Embora imerso Nesta praia que infindável me é devida Ao longe Nos espaços vindouros Haverá um outro de nós? Ou a angústia se repetirá até que a flor de meus amores nada valha? Ainda impero mágoas nestes nossos tempos Todavia, antevejo batalhas desconhecidas Meu sol em ânsias é teu Em todas E esvai-se nítido Pássaro pleno Em voo lépido de ardores meus noturnos Ejaculados dentro e fora dentro em tantos Nossos redemunhos O brilho de meus fantasmas povoarão Cruamente o chão que tu me pisas Relicário de perversidades Ao longe Em ti Descubro um riso meu desnudo rosto Impuro gosto abominado Um crânio futuro espreitando a aurora destes séculos Que inexistirão depois de nosso pacto findado Não avisto mais nada Insisto, abro paisagens Em vão, meus olhos permanecem Despidos em meio a escombros desta casa-corpo agora velha, abandonada Brinco ainda em ser teu homem Serei apesar? Ao redor destes jardins Mãos tuas preteritamente me tocam Reafirmam-me matéria Poros meus revigorando frêmitos Translúcidos Será um uivo? Sons dispersam outras vozes Minha e tua O tempo se refaz presente O tempo presente de nós mesmos Misterioso embrulho que carregamos por longas, difusas estações Algoz, o passado Indecifrável se desvenda A mim A ti Em dobras outonais Papiros velhos, amassados pelos anos E tu mesma Sucessiva me sorrindo A escuridão se achega, circundando Pela última vez Ou primeira? Nuvem insondável Véu que encobre este meu sonho em sons, em ânsias, vias vãs de plenas graças a mim renunciadas Já não te vejo. Não mais enxergo tuas pétalas E o perecer, tal luz e sombra É um pleno cerrar de olhos até Rito inexplicável em nossos cíclicos reencontros Adeus Helena, até outras luas.

 

 

 

CINE ÉDEN

 

Na esquina desbotada / De uma cidade esquecida / Um projetor rebelde / Parou de funcionar repentinamente / Rasurando a madrugada / Ou a lembrança de alguma coisa / Que parece nunca ter existido. / Mas aquela fachada era famosa / Um mero devaneio agora / Porém, o que intuo são as recordações de / Um tempo habitável / Multicor. / Pôsteres da Metro Goldwyn Mayer / Perdem força agora nas fendas do esquecimento / Um crime? / Um ato de vandalismo, quase / Maculando os amantes / Da Sétima Arte. / Aquele local era sim, Mágico! / Pululavam risos e desejos: / Tom Mix, Daniel Boone, Zorro, Robin Hood, Flash Gordon, Tarzan, Carlitos... / Todos incólumes. / Histórias geniais / Entrelaçadas / Diante de nossos olhos / Incrédulos.  / E agora, o que sobra? / O reino da massificação. / Em paupérrimo desalinho. / Outrora, o projetor nosso era / Uma lâmina crua / Ressignificando aflições / Horas nuas / De leveza e esperança. / Na forma de comestíveis imagens, / Numa sala de cinema-respiro / Os amores se adensavam / Cadeiras rangiam em bom desalinho / Sonhos de adolescência / Dentro e fora das telas / Anunciando vigorosas promessas. / Esse paraíso-cinema já nos prenunciava / A angústia de viver. / Penso agora numa instigante tela de Clécio Penedo / Emulando um verão colorido / Perdido num / Domingo qualquer / Com personagens cinematográficos / Deslizando lépidos / Como Ginger e Fred espetacularmente faziam. / Esta bonita memória um dia se diluirá / Terminando feito filme / Abruptamente / No escuro. 

 

 

O poeta André Carneiro Ramos. Foto: Divulgação

André Carneiro Ramos nasceu em Barra Mansa (RJ) em 1972. Mestre e Doutor em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é professor na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) na cidade de Passos (MG). Os poemas que Sphera aqui estampa fazem parte do seu primeiro livro ainda inédito intitulado Azular, dizer.  

 

 

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