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Um conto de Edson Cruz




ÁUREA

Quando descobri que o caminho mais curto entre dois pontos não era uma reta, quase passei a acreditar que o espaço era curvo. Mas logo veio a Teoria da Aleatoriedade e, com ela, as complicações. Seria mais fácil continuar a acreditar que as coisas são o que parecem ser. Que o céu é visivelmente azul. Que as pedras são duras desde sempre e que a neve é tão fria como o gelo. Tudo aquilo que o matemático Bertrand Russel denominara de realismo mágico. A partir desse ponto, considerar a existência como sendo fantástica é só um passo. Mas ela não é. O que impera no universo é a frieza. A frieza de seus espaços infinitos, das monotonias siderais.


Não me levem a mal, mas a verdade e que até o Sol está esfriando. Por que deveríamos acreditar em alguma possível redenção, em alguma ordem no caos? Isso é coisa para músicos, arquitetos ou matemáticos. Eles preferem postular a existência de uma lei que permeia as construções mais complexas. Uma equação que explicaria desde a forma das conchas e caramujos até as divinas proporções encontradas no movimento das galáxias ou em alguns desenhos de Da Vinci.


Mesmo que esse papo todo tivesse me convencido, nada disso teria me trazido alegria. Repito: nada desse conhecimento me ajudaria no momento crucial. Naquele voo da varanda. Um sábio que não sabe nadar é um ser imprestável no momento do dilúvio. E as vastas extensões de minha existência sempre me pareceram inundadas de nada.


Quem poderia me explicar o vazio? O frio gélido que se apossou de meu peito? Aquele terror ao ver que eu mais uma vez destruíra o que amava? De que adiantou meu pós-doc? Aquela vontade de querer entender a equação que levava seu nome.


Ela também não ajudou. Poderia ter mentido. Dito que havia sido apenas uma aventura passageira e que eu sempre fora e continuaria sendo o homem de sua vida. Mas ela não falou nada. Empedrou-se em um silêncio devastador.


Se ela tivesse dito alguma coisa, eu não teria tocado fogo em sua roupa. Ela não teria despencado da varanda, iluminando a noite com seu vestido de hidrogênio incandescente. Sua traição mergulhou com ela em linha reta até se estatelar na calçada com um baque surdo. E eu mergulhei junto.


Sim, o espaço não é curvo. A massa de seu corpo caindo não gerou nenhuma curvatura, nenhum alívio, nenhum desvio. A existência se tornou uma gosma negra. Minha vida, um desequilíbrio e querer mantê-la seria perpetuar a miséria de todos. Só havia duas coisas a fazer. Descrever nosso voo rumo ao solo e não acrescentar a última frase.

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