
Frans Krajcberg
Referência na produção poética e musical contemporânea no sul do Estado de Minas Gerais, com parcerias com músicos como Ivan Vilela e Dércio Marques, Marcellus Salomon Bezerra, filho do poeta e letrista Gildes Bezerra, é um nome “em instância”, sobre o qual pouco se sabe nos últimos anos. Seu irmão, o também poeta e músico Fernando Salomon Bezerra, revela e apresenta aqui sete poemas que integram uma série de escritos inéditos de Marcellus. Abraspas:
Marcellus Salomon Bezerra nasce entre as montanhas do sul de minas, quase precisamente em Itajubá, no dia...
Reza a lenda que ao nascer não chorou, apenas saiu caminhando pela sala de parto, a procurar a porta mais próxima que o levasse ao descampado onde pudesse observar com atenção o azul da existência.
Tem o primeiro contato com a poesia através dos escritos do seu pai, Gildes Bezerra, a quem nunca se esmerou em copiar, encontrando prontamente uma voz poética própria, desde o deslugar que ocupava no mundo.
Inicia curso de Engenharia e posteriormente de Letras, mas não os concluiu, reservando sua busca pela precisão matemática e beleza da arte literária para a prática de escrever poemas e letras de canções em diversos cadernos, nos quais também desenha seu itinerário sobre a terra. Desenhos que, bem mirados, nos lembram um Arnaldo Baptista, um Kurt Cobain.
Leitura cuidadosa das paredes do seu quarto nessa época nos revelará que suas referências imediatas são Beatles, Stones, Krajcberg, Liszt e, creiam em mim, Thiago de Melo.
Quando bem humorado, quase sempre, Marcellus gosta de encontros sociais, não os com a multidão, mas com parceiros que sensivelmente compreenderam sua grandeza de poeta: Dércio Marques, Luiz Celso de Carvalho, Ivan Vilela (“Mana” e “Bem”, do disco “Hortelã”) e Omar Fontes (“Eles procuram um amor”, no disco “Um retrato”).
Quanto a outras referências, precisaremos ler com atenção seus poemas para descobrir.
Fernando Salomon Bezerra
Fechaspas. Apreciemos a lira de Marcellus, através de quem saudamos o artista plástico polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg, morto aos 96 anos em 2017.
Anelito de Oliveira

Frans Krajcberg
Memória
O sal do sim,
O sim do sal,
o som dos sinos,
o mel do céu
amanheceu Palavra.
O sorriso na memória,
e a grafia da mulher
à flor da luz,
à flor da água,
no bouquet de rosas,
no bouquet do vinho.
Feito um tiê
que na beira da mata
olha o sertão.
02-05-94
Leão de Maio
Em ritmo de leões novos
Sendo o sal
no céu da boca
nós tiês, vós malabaristas.
Nestes vôos,
nestas ternas
emoções equilibristas.
Sendo Sal
junto à ceia
em silenciosa vida,
Jonas
da nuvem-baleia
minha gente bendiz viva.
Não perecerá louca
nem carecerá estar rouca
nem padecera por mal anarquistas.
Torre sob Éster
Os cantos de cór
encanto de tiê
no coração
Quando o vôo de nossos braços
à espera do amanhecer
mira nuvens consangüíneas
sonho beber o meu vinho com meu leite.
Em seguida desponta, no horizonte próximo,
a Íris anelada sol.
Coração, sejam-me os teus seios
como cachos da vinha.
Larissa
Lira, Lara, lira,
Lara baila
rarefeita nesta sala
toda farta de azul
ao luar do sul.
Lira para Lara
bailarina de tez clara,
das três falas da emoção
que a embala em gelo e gin
e no espaço da espera
do verdadeiro arlequim
a esquece sobre a flor
da pele nua.
Em seu sempre
entre o prazer e a sede
giram as quatro paredes
e Lara vaga, às vezes,
entre as vozes
de um mercado de Istambul.
Sonhos de valsar o amor são bons.
O que fazer ao se diluírem seus tons?
Lara em ais de amor,
em ás de espadas,
percorrendo madrugas
seguiu rumo a um velho cais.
Hoje é silêncio
no coração dos casais.
Formas e legados
Certa face do (?) (dreno?)
(Soltos os sons)
reverberam aflitos
corpos amorfos.
Outros sãos
seguem sós.
Barulhos
nos desvãos
das escadas.
(Cinza e cinza, negro, fosco e ferrugem.
Surdos vêem) ?
Como nós, quase nada além de sopro
que habita nestes corpos
entre esquinas e lembranças.
Soltas ao vento
(enquanto) dançam bonitas
as luzes dos corpos.
E desenham-se vagos
os contornos dos segredos
de homens tristes e felizes.
Ana
Ana saiu para passear,
olhava as casas
de janela empoeiradas.
O cansaço lhe fazia companhia,
o vento soprava em seu rosto
e queria estar um pouco triste.
Ana, Ana,
que não era Maria
que somente
Ana
ser saberia,
andava pela tarde num poema,
com dor de cabeça
avessa às coisas de pensar.
Krajcberg
Ele tem o quinhão
das almas ávidas
e a concentração dos eremitas.
suas mãos trabalham
definindo os limites da liberdade
através das cores de Itabirita.
Me vem em sinal de amor
da natureza grávida
este guerreiro pacifista
que
conquista a tantos corações.

Frans Krajcberg
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