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Cinco poemas de Nuno Rau

Atualizado: 21 de out. de 2021


Nuno Rau



Prosa incompleta


você, que impôs pesadas taxas ao

que das formulações alucinadas

possa contaminar o que se passa

aqui, no exílio do sonho sem qual-

quer direito a sursis, você, alada

na minha ficção, vai guardando a al-

fândega dos sonhos com essa brutal

suavidade de quem não quer nada

além do que se ampara no real

que quase nunca faz sentido, cada

vez que as bússolas enlouquecem nada

além do normal se instala, e eu, qual

estátua de sal, só observo as gretas

das palavras em sua prosa incompleta



Paisagem de cidades imaginárias


Amhearst,

Stratford-upon-Avon, Nishapur,

Lisboa, Itabira, Buenos Aires, São Paulo,

Málaga, Nova York, Salvador, Pasárgada,

Recife, São Luís, Rio de Janeiro, Porto Alegre,

e você aí nessa cidade-fantasma

com o braço erguido

em frente ao muro, no espaço

do instante em que o grafite

incompreensível que sua mão

projeta é toda a sua

vida.



Uma pedreira [Serra do Madureira, Nova Iguaçu, RJ]


1.

Se uma ferida pudesse erguer-se, seria

essa empena, suas partículas luzindo

no verão sem clemência, proa abrupta

que mede imóvel o mar de casas mudas

imersas no betume da noite ocidental,

a história narrada no vazio vertical

de quem foi triturada pelos dentes rudes

das britadeiras e contabilizada em vagões

lentos como lotes de vestígios que agora

dormem seu sono inquieto em anos

de concreto atravessados pelo aço. Ou


2.

fosse a vida uma vela nunca panda,

lona que o vento não enfuna , seria

essa empena hirta, muralha, seus segredos

guardados no minério ostentando

o que lhe foi subtraído como um brasão

sem armas, cada mínima traição

do acaso grafada em mica, noite

dentro da noite de seus poros, uma vela

medindo a calmaria, metamórfica

memória de lava, enorme sedimento

de um espasmo, cinza de carne, granito.



Nominal


a dança

das taxas

de juros e seu

novo valor

nominal

reduzido para

iludir os olhos

que deslizam

nas telas à

procura de um

ponto fixo

enquanto a queda

livre da moeda

estabelece uma

diferença que

deixa o índice

real em rota

flutuante,

permitindo que

quantias antes

inacreditáveis

migrem numa

prestidigitação

volátil e

macabra das contas

de milhares para

outro lugar

onde se

concentram, u-

topia ao

avesso ou simples-

mente visão

do espelho a

partir do ponto

que interessa a

quem detém,

anônimo e

esconso, sob

um código alfa-

numérico e cripto

grafado, a

posse desta re-

presentação, e

também do fundo

da caverna, tela

preta onde hypnos

manipula chaves,

cifras e mil véus

em código binário,

enquanto vamos

com as mãos

nos bolsos.



Estado crítico [Bolaniana]


sem geração em que me fixe, sem

(quase sem) diálogos e ancorado

a uma classe em que prossigo ilhado

entre milhões ou mais de escrotos, nem

mesmo o gênero me salva, sitiado

por artifícios do capital, ten-

tando pôr um poema em pé den-

tro de um século com olhos vendados,

mas escrevendo, sem leitores – quem

lê sonetos? –, escrevendo agarrado

ao presente como um advogado

da província, tão marginal no cen-

tro do centro, sem voz na academia,

deslocado, mas fazendo poesia.



James Loper - 1951

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