- estou naturalmente isso, e você?
- eu também estou isso
- sei lá, quase isso
-isso
***
escrevo para medrar
a merda da consolação
e à medida que
garfo a força
falar é ação
um não-poeta triste
em falação
***
acordo com a dor
ela vem eu vou
eu voo ela vaia
***
nada é
diante
então de onde vêm?
***
formulo o pensamento
digo o que quero
o que você quer não
diálogo pássaro de quero-não quero
com a manhã
***
só pode escrever
quem sabe
vigiar o jaboti
no quintal
tinha uma tartaruga
ia bem vagar
fugiu
***
nosso de cor
esqueci
***
o mundo não sabe
que está num texto meu
***
meu boi morreu
o que será de mim
manda buscar outro
lá com nina simone
***
Nunca serei aquele
Nunca serei
eu queria dizer
nunca serei aquele alguém a quem não pode se
acusar de falta de excesso
nunca serei alguém que não pode
ser acusado da falta de
um poema que abole o eu
lírico mãe comunista e pai socialista
nunca serei a suspensão da pele
que herdei dos meus avós
a palavra que como
flecha sai da minha boca
e a mim fere
nunca serei a decisão de vagar a universidade
ao som de Liszt
cair na estrada ao som de
nunca serei
nunca serei
o reflexo da respiração de Charlie Parker
uma prosódia espontânea
nunca serei não jâmbico
de pontuação irregular
nunca serei
queria ser blueseiro
poemas
com partituras
nunca serei diversidades
e temas
nunca serei gestos belos
eu queria dizer
nunca serei o esquizofrênico
aquém se empresta um livro de
nunca serei aquele
da ambivalência política
não é documento
uma trajetória que termina em lugar algum
cultos jagabundos
nunca serei
era tradicionalistas
cuja chave das contradições
está na língua familiar
deixa ver se eu acho um tacho
encantado por vagabundos
nunca serei a paráfrase de Rimbaud
uma reescritura de Joyce
nunca serei aquele
pânico pelo sucesso
nunca serei aquele que
através da literatura
encontra a maravilha do erótico
nunca melhor lido adiante serei
***
Fernando Salomon Bezerra
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