Teu nome é meu
Para Amélia Lins
Ela me deu vinte e oito cavalos dourados
vinte e oito armaduras de ouro
vinte e oito procuras e desejos
E fez-me ator e bailarino e poeta e a rima rima com o ímã O amor rima com o temor Barrocos e concretos sabem isso
Cri, vi, escrevi este escrito
sem segredos, sem desejos Ele se lançou no ventre colocou-se dentro da força do ímã que existia entre ela e eu.
Hoje não existe Península Ibérica, nem África, nem a ânsia de mundo novo O meu amor morreu de temor nessa manhã de mármore e vento que se instaura em minha voz
Minha voz, meu refúgio foz de minha existência que abandonou o canto que abriu mão da loucura
Só um coração tem voz para dizer que está farto largando a tristeza, essa locomotiva, nas linhas de ferro do eu de nós
Eu, que tantas outras vezes, morri de tiro facadas porrada e América de novo pronto para morrer do novo
Eu, pronome pessoal de todas as pessoas O pronome substitui o nome, mas o nome não substitui o ser então vou falar seu nome, vou digitar seu nome, pois até
o seu pronome morreu contido na pessoa Só restou o nome, o nome que fica para os poetas.
Feto feio
Fui feto feio feito no ventre do Brasil
estou pronto para matar
já que sempre estive para morrer
Sou eu o bicho iluminado apenas
pela fraca luz das ruas
que rouba para matar o que sou
e mato para roubar o que quero
Já que nasci feio, sou temido
Já que nasci pobre, quero ser rico
e assim meu corpo oculta outros
que ao me verem se despiram da voz
Voz solta virando grito
Grito louco ao som do tiro
Sou eu o dono da rua
O rei da rua sepultado vivo no baralho
desse jogo
O rei que não se revela
nem em paus
nem em ouro
nem em espada
nem em copas
Se revela em nada quando estou livre
renada quando sou pego
pós nada quando sou solto
Sou eu assim herói do nada
De vez em quando revelo o vazio
De ser irmão de tudo e todos contra mim
Sou eu a bomba humana que cresceu
entre uma voz e outra
entre becos e vielas
onde sempre uma loucura está para acontecer
Sou seu inimigo
Coração de bandido é batido na sola do pé
Enquanto eu estiver vivo
todos estão para morrer
Sou eu que posso roubar o teu amanhecer
por um cordão
por um tostão
por um não
Me meço e me arremeço na vida
lançando-me em posição mortal
Prefiro morrer na flor da mocidade
do que no caroço da velhice
Sem saber de nada me torno anacoluto insistente
Indigente nas metáforas de tua língua vulgar
Que não se comprometeu
Pois a minha palavra
(a bela palavra)
Inaugurada na boca do homem, a dama maior do
artifício social
perdeu a voz
Voz sem ouvido é mero sopro sem fonemas
É voz morta enterrada na garganta
E a pá lavra vida muda no mundo legal
me faz teu marginal
A vida
Se escravo grito
Se escrevo luz
Em credo em cruz
Ave no mar
Haver por ser ave
Ser ave por ser
Ave ser e querer a sorte do teu jogo de azar
A onda do corpo é o desejo e a noite o mais belo dos animais
Não sou delírio lírio rio, mas te contexto
Encalacrado de medo calado
apodrecido num sonho, gerando as pedras de meu caminho
Brasília ergue a sua asa norte e voa e tua língua mingua
em todas as luas que vão entre o meu pescoço e meu ouvido
E queres a atitude, a negritude, o som do tam tam
Queres toda Bahia que mora em meus quadris
Mas a de ventre, muito ventre, tanto ventre
de onde sairão tantas outras vozes
com muito blue nos tons
E tanto Estácio nos pés.

Paulo Lins
Maravilhas,,, comovências!