Corças
Se perdem,
Se entregam,
Se tomam.
De dia têm curvas,
De tarde são turvas,
De noite se despem.
São frágeis,
São ágeis
E firmes.
De dia são olhos,
De tarde são ancas,
De noite são pernas.
Se adornam,
Se enfeitam,
Se ornam.
De dia se olham,
De tarde se falam,
De noite se molham.
Se querem,
Se aderem,
Se colam.
De dia se almoçam,
De tarde se lancham,
De noite se bebem.
Se unham,
Se arranham,
Se mordem.
De dia são moças,
De tarde são laços,
De noite são corças.
Diário XCVI
Ela se veste
De palavras.
Seus jardins
São floridos de palavras.
O seu coração se esconde
Atrás de palavras.
Mas consigo abrir a cortina
Rendada de palavras
E vê-la despida,
A caminhar
Na direção do poente.
Poema submisso
Era como se mendigasse o privilégio de te ver.
E te reverenciasse como um súdito à sua rainha;
Ou baixasse a cabeça à tua presença
Como uma tímida e vergonhosa donzela
Diante do seu amo e senhor.
Ou como o garimpeiro curvado sobre a bateia
Olhando, extasiado, a fulguração do diamante.
Era como se tivesse que erguer a cabeça e os olhos
Para fitar uma estrela vespertina
Que antecede a multidão de luzes
No intermitente infinito.
E, no entanto, éramos apenas
Um homem e uma mulher.
Poema de esperar
Quando não houver mais orgulho no silêncio
E os gestos da noite forem amenos, sem vidraça,
E a dor adormecer com o acalanto de mãos amigas;
Quando o frio passar,
Eu voltarei.
Poema exilado
O caminho já não me diz dos teus segredos.
Talvez por medo da noite nos olhos
E das sombras púrpuras que ralentam
O tempo forte, o ritmo do coração.
O caminho já não pensa os meus desejos flanantes
Que respiravam entre tatos e mãos viageiras
Sobre curvas que pulsavam morenas e vivas.
O caminho já não me evoca
E nem mesmo sei se me sabe indiferente,
Rememorando tua boca cheia de dúvida e sede.
Mas um caminho retorna
Desde que as palavras desejem.
Poema sem agasalho
...e agora faz frio
Mas houve época em que os corações aqueciam os corpos.
Os sonhos se recolheram ao hangar do peito,
Mas já voaram amplidões, além dos olhos.
Estamos tristes. Apenas tristes.
As estações do ano se alternam
Assim como as noites e os dias. Mas agora faz frio.
E estamos tristes. Apenas tristes.

Gildes Bezerra
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