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Seis poemas de Vera Casa Nova


Vera Casa Nova



Leitura de corpo


Abraçado a mim, dizes

O inimaginável: holocausto.

Resumo da vida

Tornada visível pela foto,

Perplexa vivo o como se.

Começo tudo de novo.

Esse caminho do teu corpo

A dizer meu nexo,

Minha escrita.




Bruma, Brumadinho


A fumaça entorpece o corpo.

A queimada faz sofrer as ninfas, as deusas da floresta.

E a cidade é inabitável.

Sucumbem diante de nós

Os rios, suas águas, sua lama.

Os peixes choram e logo morrem por asfixia.

Embriagar-se seria uma solução e sem rima absolutamente.

“Minas não há mais”. Restam pedaços de terra comidos pela devastação.

As imagens mostradas caem por terra como um livro sem gozo.

Resta uma comida amarga feita de um passado de dor.

O anjo noturno beija a face do Angelus Novus.

Poeira.. poeira... poeira... o poeta come dessa poeira.

Como uma carniça desolada e observada por urubus

As ruínas seguem um percurso.

Imensidão de lama (en) cobrindo corpos.

Insanidade perene.

Mas o poeta vê.

Os homens negam o dilaceramento.

Restam o vazio e o abismo depois que máquinas-monstros devoram casas e ossos.

As dores e as sombras enfestam a noite,

E os ventos trazem aos nossos olhos o pó do minério. Ficaremos cegos?

Dizem: ”mineiro é feito de ferro” !!!

O ferro foi lavado sujando a água cristalina dos índios plantadores das margens do

Paraopeba, das Velhas

Voltarás à lama, ao barro de onde vieste, antes do tempo.

Pó.

No entanto, as crianças ainda brincam no quintal da casa acreditando no presente do

futuro e na justiça. A dos homens ou a de Deus?

O poeta tem as palavras e os versos são as vítimas.


2019




Para João Gilberto Noll num dia frio, tomando um cálice de vinho


Aperto tua mão -

Me dás um abraço em tua página bailarina.

Descrevo lugares impossíveis,

Experiências enigmáticas se seguem,

Vozes delicadas descrevem imagens.

Sombras de uma guerra particular.

Sou cega desse lugar:

Sou copista do teu fantasma,

Sou tua leitora


Diamantina, 2010




Mais ainda


Abraçada ao meu desejo

Mais, ainda...

Quero esse abraço

Encontrando vísceras e vísceras

Peito a peito

Coxa a coxa

Com a cabeça pendente

Deitando óculos ao chão.

Minha voz no silêncio de teu desenho no meu.

Se assim não for,

Quero o abismo mais abissal me estrangulando,

o tempo vazio como partilha

e o informe como meu único saber.




Liquidação


Liquida-se o humano

Na falta de abraço.

No portal do teu corpo,

Viro uma pérola satírica

Ou uma aparição vinda do espaço.




Presença


A ausência do amigo

Longe ou perto

Deixa deslizar no esquecimento

O eu do nós.

Cantamos Mangueira como cenário

Nesse diálogo de vozes: a perenidade.

Inquietude diante do que foi

Percorrer esses caminhos

E deixar vir os fantasmas

E lembrar a amizade no abraço último

Do teu corpo morto.

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